Quem vai comprar o TikTok? E por que querem comprar o TikTok? Talvez estas sejam as perguntas mais frequentes das últimas semanas no mundo da tecnologia. Desde que Donald Trump ameaçou banir o app chinês do mercado americano, a ByteDance, detentora do aplicativo, colocou sua operação nos Estados Unidos à venda para garantir sua permanência no país. Isso, claro, gerou interesse de gigantes de tecnologia. Para além das acusações (até agora sem provas) de que a ByteDance repassa dados de usuários dos EUA para o Partido Comunista Chinês, são muitas as razões pelas quais as companhias querem abocanhar o app.
A rede social se destacou entre os concorrentes. Lançado em 2016, o app, que na China se chama Douyin, comprou a rival Musical.ly em 2017 e desde então reina praticamente solitário nesse mercado de vídeos curtos com dublagens, montagens e efeitos. Mesmo com apenas quatro anos de idade, o TikTok tornou-se um dos apps mais baixados de toda a década de 2010: foram mais de 1,5 bilhão de downloads, atrás apenas de Facebook e WhatsApp. Quase metade desse montante (738 milhões) apenas em 2019, segundo a consultoria especializada AppAnnie.
As estimativas recentes apontam para cerca de 800 milhões de usuários ativos todos os meses no TikTok ao redor do mundo, o que coloca a ByteDance como a quarta maior do planeta em redes sociais. Hoje, ela está atrás apenas de Facebook (Facebook, Instagram e WhatsApp), Google (YouTube) e Tencent (WeChat e QQ). Muitos tentaram este feito, mas não conseguiram o mesmo sucesso do TikTok, que parece ter furado a bolha das pessoas mais conectadas e vem se tornando cada vez mais familiar para diferentes públicos.
Microsoft: mais perto dos consumidores
A Microsoft foi a primeira a levantar a mão e anunciar o desejo de compra e não apenas das operações americanas, mas em todo o mundo. E o motivo é estar mais próxima dos consumidores, seus dados e, obviamente, do dinheiro.
Desde a entrada do CEO indiano, Satya Nadella, houve uma preocupação da companhia se voltar inteiramente ao público corporativo, especialmente pelo sucesso da plataforma de nuvem Azure. Alguns fãs inclusive chegaram a dizer que a marca se tornou mais fraca entre os consumidores. Isso porque, enquanto Steve Ballmer, antigo CEO, tentou a todo custo manter produtos B2C, como Windows Phone e o Groove Music, Nadella, assim que assumiu o controle, acabou com tudo.
Aliás, foi no comando de Nadella que, em 2016, a companhia adquiriu o LinkedIn por US$ 26 bilhões, em busca de estreitar ainda mais a relação com o público corporativo. Na ocasião, a empresa queria integrar as informações que já tinha sobre seus usuários, como calendário, agenda de contatos, email e documentos, com dados profissionais e as conexões entre pessoas, empresas, universidades e outras instituições da rede corporativa. A Microsoft também usou a rede como uma vitrine para divulgar seus produtos B2B, como o pacote Office 365 e o Azure.
Agora, com o TikTok, a companhia de Bill Gates faria o caminho inverso rumo a um novo relacionamento com os consumidores finais e mais jovens. O público do aplicativo chinês não apenas será comprador do Xbox, por exemplo, mas também pode eventualmente se tornar usuário de produtos corporativos. A aproximação com os TikTokers garantiria à MS um lugar de destaque em todas as fases e áreas da vida das pessoas. Além disso, os dados destes jovens podem ser bem valiosos para a empresa melhorar seu portfólio no futuro.
Outro ponto importante: com os cerca de 80 milhões de usuários norte-americanos dentro do TikTok, a MS abriria mais um canal de disputa com Facebook e Google (Youtube). Vale pontuar que, atualmente, a companhia duela com a rede de Mark Zuckerberg via LinkedIn e disputa o mercado de cloud com a gigante de buscas com o Azure.
Marcas como Twitter e Snapchat ainda resistem bravamente no mundo das redes sociais e até com certa eficácia, mas o Facebook nunca encontrou um adversário a altura e, quando encontrou (Instagram), abriu o bolso para trazê-los para baixo do seu guarda-chuva ou simplesmente copiou o rival sem nenhum pudor. Mas, agora, finalmente existe um forte candidato a desbancar o reinado de Zuckerberg. Ainda mais se a rede tiver uma companhia americana consolidada por trás como a Microsoft.
Se tudo isso ainda não parece motivos suficientes para a MS adquirir o TikTok, analisar a história pelo lado das cifras talvez torne a compra ainda mais plausível. A ByteDance vale hoje mais de US$ 100 bilhões, sendo classificada como “a startup mais valiosa do planeta”. Ela foi fundada em 2012 por Zhang Yiming e teve uma ascensão meteórica graças ao aplicativo. A companhia terminou 2019 com uma receita de US$ 17 bilhões, mais que o dobro dos US$ 7,4 bilhões feitos em 2018. A título de comparação, o LinkedIn fechou o ano passado com uma receita global de US$ 6,8 bilhões, menos da metade do valor arrecadado pela startup chinesa.
Walmart: multicanal
Quem entra na disputa, mas de maneira amigável é o Walmart, que anunciou na semana passada sua intenção de adquirir o app em parceria com a Microsoft. Detalhes de como as duas empresas dividiriam a posse do aplicativo ainda não foram explicados, mas, pelo que o porta-voz do Walmart, Randy Hargrove, deu a entender, a varejista poderia ser a majoritária neste negócio.
Essa aquisição, aliás, viria em um momento importante para o Walmart, uma vez que a empresa tenta, a todo custo, competir com a Amazon. Um dos passos, inclusive, seria lançar um serviço parecido como Amazon Prime, chamado de Walmart+, que deve chegar em breve.
“Acreditamos que um relacionamento potencial com a TikTok dos EUA em parceria com a Microsoft poderia adicionar esta funcionalidade chave e fornecer ao Walmart uma maneira importante de alcançar e atender clientes omnichannel, bem como expandir nosso mercado de terceiros e negócios de publicidade. Estamos confiantes de que uma parceria entre o Walmart e a Microsoft atenderia às expectativas dos usuários do TikTok dos EUA e, ao mesmo tempo, atenderia às preocupações dos reguladores do governo norte-americano”, disse o Walmart em comunicado.
Para os profissionais do mercado, a ligação entre a Walmart e o TikTok faz todo o sentido. A versão chinesa do TikTok é uma das várias aplicações no país que exploram o mercado de consumidores locais, que gostam de fazer compras por meio das plataformas. “É o entretenimento mais as compras”, disse Kitty Fok, diretora da empresa de pesquisa de mercado IDC. “Isto é importante é um mercado extremamente grande”, comentou à CNN.
Já Alex Zuki, analista da RBC, vê o Walmart usando sua logística e domínio de atendimento, com a ajuda da Microsoft no lado tecnológico, para usufruir do aplicativo e manter os usuários grudados nas telas de seus telefones. A varejista poderia tornar o TikTok uma extensão de sua máquina de vendas, ajudando anunciantes, criadores de conteúdo e outros a venderem produtos. E os usuários da rede comprariam da varejista como parte de sua experiência no aplicativo.
Para Lindsay Finneran-Gingras, da Hill + Knowlton Strategies, empresa que trabalha com estratégias digitais, o Walmart pode inclusive obter receita por meio das vendas feitas pelo TikTok, assim como faz o Instagram. A rede social do Facebook cobra uma taxa dos vendedores se um cliente usa a ferramenta de checkout.
Por fim, a varejista também pode promover seus principais vendedores de seu marketplace dentro do app e competir mais fortemente com a Amazon. “Os limites entre compras tradicionais, compras digitais e mídias sociais estão se confundindo”, disse o analista da UBS, Michael Lasser. “O Walmart precisa de mais exposição a essa tendência”, completou.
Outro ponto a se considerar é que com a aquisição do TikTok, assim como a Microsoft, o Walmart atrairia compradores mais jovens pois, segundo Greg Paull, diretor da R3, empresa de pesquisa em marketing, o público da companhia está cada vez mais velho e presos ao varejo tradicional. De acordo com a R3, dos 690 milhões de usuários ativos mensais do TikTok, 70% têm entre 16 e 24 anos. “Dentro do TikTok, o Walmart tem apenas 1,8 milhão de seguidores, muito menos do que [a influenciadora adolescente] Loren Gray, que tem 46 milhões. Ou seja, há muito espaço para crescer por lá”, disse Paull.
Concorrente em comum
Sendo assim, a união do Walmart e Microsoft na compra do TikTok coroaria uma parceria de anos entre as empresa. Em 2018, a varejista assinou um contrato de cinco anos com a Microsoft para usar seu serviço de nuvem Azure e demais produtos da companhia de tecnologia. A MS, por sua vez, é investidora da Klipkart, gigante do comércio eletrônico da Índia, a qual o Walmart tem participação majoritária após uma aquisição de US$ 16 bilhões em 2018. As duas companhia ainda têm investimentos no Team8, um grupo de reflexão sobre segurança cibernética fundado por ex-líderes da principal unidade de inteligência militar de Israel.
Vale lembrar também que, além das colaborações mútuas, as companhias têm Amazon como concorrente em comum. Se por um lado o Walmart concorre no varejo, a Microsoft, com o Azure, luta no segmento de cloud computing. No mundo dos negócios nada é mais estimulante para uma parceria do que um inimigo em comum.
Por: Canaltec/Forbes/Windows Club/CNN/LATimes.