O frio e os efeitos do mau tempo foram amenizados com a doação de uma barraca de camping. Mas tem uma expressão que atinge diretamente Vladimir Pacheco, 62 anos: lixo visual.
– É isso que o pessoal pensa que eu sou, um lixo visual para a cidade. Eles só são melhores do que eu pelo poder aquisitivo – contesta.
O homem, que viveu ao lado da família em Passo Fundo, hoje mora acampado sob uma parada de ônibus na esquina das avenidas Icaraí e Capivari, no bairro Cristal, zona sul de Porto Alegre. Na tenda, investe parte do tempo na leitura de notícias antigas em jornais velhos e em livros doados ou recolhidos de lixeiras.
– Nunca me imaginei assim, sem poder fazer a barba, contando com doações, passando dificuldade. Até garrafa com gasolina, pegando fogo em um pano, já jogaram em mim. Será que ainda sou humano? – diz, lamentando o preconceito de quem parece ter prazer sádico de maltratar populações em vulnerabilidade.
Quando jovem, Pacheco afirma ter frequentado a faculdade de veterinária e cursado também um curso técnico em enfermagem, noções que o ajudam no cuidado com os sete cachorros que resgatou das ruas.
– Esses dias passou um carro, e eu ouvi o estrondo. Saí da barraca e vi que a Sophia (uma das cadelas que o acompanham) estava com uma marca de tiro. Qual o prazer de maltratar o bichinho? – questiona, mostrando que o animal ainda tem a marca do disparo próximo às costelas.
O dinheiro que Pacheco ganha com reciclagem é usado para a alimentação dele e dos animais – mais para eles, diz, em omissão admitida com a própria saúde. Os bichos o seguem a caminho dos materiais descartados por um mercadinho e por um condomínio, a duas quadras da barraca. No espaço de convivência, amizades se formaram.
– Ele é um cara muito educado – resumiu o guarda municipal Thiago Toniolo, 35 anos, morador do condomínio.
A migração do município do norte do Rio Grande do Sul para a Região Metropolitana, no início dos anos 2000, foi abrupta, motivada por uma leucemia que o deixou viúvo e sem a filha adolescente.
– Gastei tudo que eu tinha para tratar a minha esposa e a minha filha de 16 anos. Quando elas morreram, vendi a casa e vim para cá, achando que seria melhor – explica, com tom de arrependimento.
Na cidade natal, ele diz ter trabalhado na lida campeira, no manejo de animais e até mesmo em uma emissora comunitária, na qual atuava como radialista. Uma vida “com confortos”, como definiu.
A decadência de Pacheco se deu na Capital. Logo que se desfez das propriedades, desembarcou na rodoviária de Porto Alegre com uma quantia que não consegue mensurar – o suficiente para se manter, segundo relembra. Vítima da violência, foi assaltado e perdeu as economias. Passou então a ocupar um espaço no viaduto Abdias do Nascimento, entre o museu Iberê Camargo e o Estádio Beira-Rio. No local, o ex-radialista foi abordado pelo administrador de uma página nas redes sociais. O post que pedia ajuda a ele e aos cães teve mais de 2,5 mil compartilhamentos.
Em seu perfil particular, imagens de animais eram postadas até 2019. Novamente assaltado, o telefone que usava para acessar o Facebook foi levado. É o único pedido que faz para si mesmo.
– Um aparelho qualquer para poder contatar as pessoas – pede.
FONTE: GZH PORTO ALEGRE.