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Em live, secretário de fomento orienta artistas cristãos sobre Lei Rouanet

André Porciuncula Esteves é o secretário de fomento da pasta comandada por Mário Frias Imagem: Reprodução

O secretário de fomento André Porciúncula participou no dia (3/05) de uma live destinada a artistas cristãos. Promovida pelo pastor e produtor musical Wesley Ros e pelo produtor de eventos Doninha, o encontro virtual trazia no flyer seu objetivo:

Saiba tudo sobre como utilizar a lei de incentivo à cultura em vários projetos artísticos.

O evento foi uma oportunidade para ver falar André Porciúncula, ex-capitão da PM baiana que assumiu a função em setembro de 2020, a convite do secretário especial da Cultura Mario Frias. Seguindo o modus operandi dos membros do governo, ele não costuma dar entrevistas, não responde questionamentos técnicos e mantém a rotina de comunicação via redes sociais –ultimamente com postagens mais voltadas a críticas ao lockdown e à defesa de Bolsonaro do que a cultura.

Ele também não apareceu na audiência pública da Comissão de Cultura da Câmara dos Deputados, na sexta-feira (30), para prestar esclarecimentos sobre o atraso sem precedentes na análise e aprovação dos projetos candidatos a receber a lei de incentivo.

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Em meados de março, o valor conjunto de projetos aprovados à espera de homologação chegava a R$ 477 milhões. No evento virtual, a presidente do Fórum Nacional de Secretários de Cultura, Úrsula Vidal, afirmou que, naquele dia, pelo menos 845 produções culturais estavam na fila por análise inicial. Com todas as dificuldades que a pandemia gera ao setor, essa demora se torna ainda mais complicada.

‘Muita urucubaca’

Anfitrião do encontro, Wesley Ros parecia preocupado em deixar claro que, apesar do tema da conversa, a ideia não era “monopolizar recursos para a arte cristã”, mas sim fazer os representantes do segmento aprenderem a usar a Lei Rouanet.

Sei que teve muita polêmica, muita urucubaca por conta desta live. Há muito preconceito com a arte cristã

Porciúncula, referindo-se ao fato de a imprensa ter noticiado o encontro

O secretário aproveitou então para tratar sobre dois pontos que, a seu ver, dificultam o acesso da “produção cultural cristã” às leis de incentivo.

“Dizer que não podemos investir porque o estado é laico é uma besteira. Há uma confusão conceitual jurídica. Marginalizar o cristianismo porque o estado é laico é má-fé”, opinou ele.

O outro ponto seria o empresariado. Para Porciúncula, “há uma aversão aos valores cristãos nos departamentos de marketing das empresas”, que decidem em que projetos elas vão patrocinar.

‘Não fui chamado para pintar a Capela Sistina’

Apesar de boa parte do encontro ter tratado de arte cristã, Doninha fez perguntas mais amplas. Sobre, por exemplo, como um ex-policial militar foi parar nesse cargo.

Há um certo preconceito em relação a isso, tratam o militar como uma subclasse. Não fui chamado para pintar a Capela Sistina ou fazer uma sinfonia de Beethoven. Dizem que não sou um homem de cultura, mas o que é isso? Todos nós somos homens de cultura.

Doninha perguntou também sobre o atraso na aprovação dos projetos.

“Não há atraso”, rebateu Porciúncula. “Quando entrei havia 20 mil projetos que não foram auditados. Muitas vezes as prestações de contas foram entregues, mas o gestor que estava na época sequer avaliou. Chamamos o TCU (Tribunal de Contas da União). Se tenho uma capacidade operacional, vou aprovar nessa capacidade, para não aumentar o passivo.”

Na audiência pública no dia 30 de abril, entretanto, Alípio Dias Neto, secretário de Controle Externo da Educação, da Cultura e do Desporto do TCU, disse que o acórdão que trata do passivo de prestação de contas “não tira a responsabilidade do gestor na aprovação e análise de outros projetos”. “A política pública tem que ser levada adiante”, afirmou Alípio.

Perguntado sobre o prazo para aprovar um projeto, Porciúncula respondeu: “Depende da complexidade. Um projeto simples, básico, leva uns 4, 5 meses.” Fontes ouvidas por Splash afirmam, entretanto, que a demora tem chegado a 8 meses.

Comissão sem prazo para voltar

Houve muitos problemas técnicos ao longo da live. A fala de Porciúncula sobre a Lei Aldir Blanc, por exemplo, não pôde ser ouvida por problemas no áudio.

O secretário também foi perguntado sobre a dissolução da Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (CNIC). O colegiado, formado por membros da sociedade civil e do poder público, ajuda a avaliar os projetos que buscam incentivo fiscal. Apesar de o mandato do último grupo ter acabado, não foi lançado edital para a nova composição.

Com isso, Porciúncula pode dar conta sozinho da avaliação de projetos nessa fase, graças ao mecanismo “ad referendum”, garantido numa portaria publicada em Diário Oficial na última quinta-feira. Trata-se de um artifício legal, mas pouco usado nesta área –e, dada a dificuldade de diálogo e os atrasos em todas as esferas, a portaria foi vista com preocupação pelos produtores culturais.

“Não gosto do termo comissão da sociedade civil. São pessoas de entidades de classe, serve para ouvirmos especialistas, mas não é a representação da sociedade civil”, disse Porciúncula, chamando a reunião com o grupo de “um bate-papo esclarecedor”. Afirmou ainda que nem ele nem Mario Frias querem acabar com a comissão, e disse que o atraso no novo edital foi por “mero processo burocrático”. Prometeu: “A comissão vai continuar”, sem dar prazos.

Crédito para eventos

Porciúncula comentou também sobre um projeto de linha de crédito para eventos, “de todos os espectros, inclusive o gospel“. Segundo ele, “serão R$ 405 milhões de reais, com dois anos de carência para começar a pagar, a baixo custo”.

Em 4 de fevereiro, Mario Frias havia feito uma postagem anunciando o projeto, afirmando que o valor já estaria disponível e dizendo: “A perspectiva é que até o início do segundo trimestre seja liberada”. Agora, Porciúncula dá novo prazo: “Acredito que no segundo semestre”.

‘Processo revolucionário’

Em suas postagens para divulgar a live, Wesley Ros usou a recorrente estratégia de demonização da Rouanet citando exemplos de projetos com artistas nus, “erotização infantil disfarçada de arte” e “exposições de vilipêndio e ódio religioso contra cristãos”. No encontro, disse que “vimos o setor da cultura ser estuprado” com a aprovação de espetáculos e mostras deste tipo, enquanto os artistas cristãos não eram contemplados.

Há um claro processo revolucionário de uma minoria raivosa que ataca valores cristãos.

André Porciuncula

Em sua avaliação, “em vez de ser processado por abuso infantil, usa-se o argumento de que a arte tem que desconstruir”.

Por outro lado, o secretário afirmou que “por muito tempo a arte cristã não usou o mecanismo de fomento”. Para Wesley, há rejeição a artistas cristãos. “E temos cantores que vendem muito mais do que os do mercado secular.”

Enquanto isso, comentários do chat do YouTube, que eram ignorados na conversa, promoviam uma conversa paralela. Um participante explicava que trabalhava com projetos cristãos em lei de incentivo “há mais de 10 anos” e opinava: “Nunca existiu bloqueio, o maior problema é a falta de conhecimento dos artistas cristãos”. Outra lembrava que desde 2012, “a Lei 12.590 introduziu o artigo 31A na Lei Rouanet, reconhecendo a música gospel como manifestação cultural”.

Mesmo sem ler os comentários, Wesley avaliou em determinado momento que o artista evangélico “tem sua parcela de culpa”:

Ele acaba se excluindo, e há uma desorganização do nosso lado também, às vezes não tem nem nota fiscal. Povo da igreja, façam seus projetos com profissionalismo!

Mas a dificuldade não para por aí. Se o povo da igreja atender ao chamado e submeter mais projetos nos próximos meses, terá que ter paciência diante da fila já existente para aprovação. Como resumiu um comentário na live que ficou sem resposta: “Mesmo que acabe o lockdown, boa parte dos projetos não está sendo aprovada. Como iremos produzir eventos quando tudo voltar ao normal?”.

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