O Brasil registrou, do dia 1º de julho até esta terça-feira (27), 33.660 mortes pela Covid-19, segundo dados apurados pelo consórcio de veículos de imprensa junto às secretarias de Saúde do país.
Mesmo com queda em relação aos últimos meses, o número já é maior do que o de julho de 2020 – pior mês da pandemia no ano passado –, que teve 32.912 mortes (veja gráfico abaixo).
Veja algumas observações sobre os números:
- O número de mortes visto neste mês é, até agora – considerando apenas os dados parciais –, 39% menor do que o de mortes em junho.
- Considerando a comparação com abril, a queda nas mortes é, até agora – de novo com levantamento parcial – de 59%. Abril foi o pior mês da pandemia no Brasil.
Especialistas fazem alerta
Para a epidemiologista Lucia Pellanda, da Universidade Federal de Ciências da Saúde de Porto Alegre (UFCSPA), a queda nas mortes é um efeito positivo da vacinação – como outros especialistas já haviam apontado no início do mês – mas a reabertura e a retomada de atividades ainda estão sendo feitas antes da hora.
“Essa parece uma lição muito explícita que o vírus quer nos ensinar e a gente se recusa a aprender – a gente sempre flexibiliza antes da hora. Tanto no Brasil quanto globalmente. O grande risco é que, quando começa a melhorar, a gente começa a liberar tudo antes da hora. Todas as vezes aconteceu isso: cada descenso de pico a gente liberou antes da hora e acabou ficando num patamar alto”, alerta.
Ela lembra que, nos países ricos – onde não há falta de vacinas, como no Brasil, e a cobertura vacinal é maior – para a pesquisadora, o que há agora é uma “epidemia dos não vacinados”. Nos Estados Unidos, por exemplo, o Centro de Controle de Doenças (CDC) voltou a recomendar o uso de máscaras.
“A gente precisa de vacinação mais os cuidados – que é distanciamento, máscara, ventilação. Como isso foi muito flexibilizado, a gente está com uma transmissão muito descontrolada. Qual o risco? Surgimento de novas variantes“, alerta Pellanda. “Vacina é uma coisa maravilhosa, mas a gente precisa de vacina e comportamento, cuidados, e cuidados coletivos”.
A opinião de Pellanda é compartilhada pela também epidemiologista Ethel Maciel, da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes).
“A gente na verdade tá cometendo o mesmo erro: lembra que, nesse período do ano passado, os governos estaduais acharam que a pandemia estava controlada – que inclusive a gente já tinha imunidade de rebanho? Que o pior já tinha passado?”, recorda Maciel.
A epidemiologista explica que, em relação a 2020, o único fator novo que o Brasil tem no combate à pandemia é a vacina. Outras estratégias, entretanto – como testar e fazer a vigilância genômica do vírus, para monitorar o surgimento de novas variantes – não têm sido adotadas.
“A única coisa diferente que foi acrescentada nessa estratégia foi a vacinação. Só que a gente tem, efetivamente, menos de 20% de pessoas vacinadas com o esquema completo. E a gente já sabe que essa variante delta tem um impacto nas pessoas que tomaram uma dose só. Então, vamos colocar nossa realidade: a gente tem mais de 80% das pessoas sem vacina ou com uma vacinação muito parcial”, lembra.
Ela critica o fato de taxas de ocupação de leitos de UTI estarem sendo usados para medir a situação da pandemia – como os índices estão baixos, há a crença de que há “mais espaço para as pessoas adoecerem”.
Com a reabertura neste momento, entretanto, há o risco de surgimento de novas variantes, aponta Maciel – e de mais casos, internações e óbitos.
“Nós achamos que isso não vai acontecer – é um tipo de pensamento mágico, porque a gente acha que não vai acontecer aqui: primeiro a pandemia não ia chegar, depois a segunda onda não ia ter, e aconteceu a mesma coisa aqui. Agora, a gente está vendo o que está acontecendo com a variante delta – estamos vendo o que está acontecendo com países que têm percentual de vacinados maior do que o nosso, e a gente não acredita”, alerta.
Para o pesquisador Paulo Nadanovsky, do Instituto de Medicina Social (IMS) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), prever o cenário dos próximos meses é complexo. Segundo uma projeção dele, o Brasil teria pouco mais de 64 mil mortes no segundo semestre – se tivesse 100% da população vacinada.
O próprio professor reconhece, entretanto, que isso “dificilmente” vai ocorrer. Mas faz ressalvas: o número de mortes em idosos deve continuar a cair, por exemplo, porque a cobertura vacinal vem aumentando.
Além disso, ainda são necessários dados como a efetividade das diferentes vacinas em evitar mortes pela Covid – e também informações conforme a faixa etária.
“Entre os idosos, 100% estão vacinados. Para a gente refinar essa estimativa, tem que ver a distribuição de vacinados e de não vacinados na população em diferentes faixas etárias – e a efetividade da vacina, principalmente a CoronaVac. Agora tem a AstraZeneca, muito usada também, e as outras – o quadro ficou mais complexo para se fazer uma estimativa”, diz.
Lucia Pellanda, da UFCSPA, concorda com a avaliação do pesquisador da Uerj.
“Acho que, se a vacinação continuar nesse ritmo, a gente vai ter queda sim [de mortes]. Mas tem dois cenários possíveis: ou a gente descuida total, começa a aglomerar, começa a ter os eventos com mais gente, e aí espalha mais [o vírus] e desenvolve uma nova variante, ou a gente – no cenário mais otimista – mantém os cuidados mais a vacinação e consegue controlar a doença. Eu não sei como prever, porque depende diretamente do nosso comportamento”, aponta.
Nadanovsky acrescenta que o percentual de vacinados na população como um todo está aumentando.
“Se continuar nesse ritmo, é possível que, em pouco tempo, a gente tenha um percentual altíssimo, mesmo não idosos, vacinados”, diz.
Uma característica é favorável para o Brasil, diz Nadanovsky: a baixa hesitação vacinal no país.
“A gente aqui, felizmente, diferentemente de países como EUA e até Inglaterra, não temos um movimento antivacina muito forte. Provavelmente vai chegar, tendo a disponibilidade das vacinas, a um percentual muito alto de vacinados logo – provavelmente mais rapidamente do que esses países, onde você tem uma parcela grande que rejeita vacina.
Média móvel
A média móvel das mortes no Brasil vinha apresentando queda até o dia 22 em relação aos 14 dias anteriores. Desde o dia 23, parou de cair e vem apresentando estabilidade.
Mas o que significa isso?
A média móvel de um determinado período é calculada do mesmo jeito que a média, mas muda a cada dia conforme o valor daquele dia é considerado no cálculo.
Por exemplo: de 21 a 27 de julho, o Brasil registrou as seguintes quantidades diárias de mortes por Covid-19:
- 21/07: 1.388
- 22/07: 1.444
- 23/07: 1.286
- 24/07: 1.080
- 25/07: 499
- 26/07: 587
- 27/07: 1.320
Se essas quantidades forem somadas (7.604 mortes ao todo) e divididas pela quantidade de dias (7), chega-se a uma média móvel de cerca de 1.086 mortes diárias no dia 27 de julho em relação às duas semanas anteriores (conforme gráfico abaixo):
Média móvel de mortes em 27/07/2021 — Foto: Arte G1
Ao comparar a média móvel do dia 27 com a do dia 14 (14 dias antes), a diferença entre elas é de cerca de 15% – esse número é considerado uma estabilidade no número de mortes (entenda no vídeo abaixo).
Entenda como funciona a média móvel em casos do novo coronavírus
A média móvel serve para contrabalançar números muito diferentes de mortes registradas em fins de semana e feriados, por exemplo – quando tende a haver atraso nas notificações por causa do plantão das equipes de saúde.
Metodologia
O consórcio de veículos de imprensa começou o levantamento conjunto no início de junho de 2020. Por isso, os dados mensais de fevereiro a maio do ano passado são de levantamentos exclusivos do G1. A fonte de ambos os monitoramentos, entretanto, é a mesma: as secretarias estaduais de Saúde.
Um ponto importante é que o consórcio monitora a data de registro das mortes, e não o dia em que elas ocorreram. Isso significa que mortes registradas em julho – principalmente no início do mês – podem ter ocorrido, na verdade, em junho, e assim sucessivamente.
Outra observação sobre os dados é que, em 28 de julho de 2020, o Ministério da Saúde mudou a metodologia de identificação dos casos de Covid e passou a permitir que diagnósticos por imagem (tomografia) fossem notificados. Também ampliou as definições de casos clínicos (aqueles identificados apenas na consulta médica) e incluiu mais possibilidades de testes de Covid.
Desde a alteração, mais de mil casos de Covid-19 foram notificados pelas secretarias estaduais de Saúde ao governo federal sob os novos critérios.
Fonte: G1.