A partir de agora, pacientes do Instituto Nise da Silveira passam a morar em lugares chamados residências terapêuticas. São mais de quinhentos apartamentos alugados no país, com todas as despesas pagas pelo governo.
O maior e mais antigo hospital psiquiátrico do Brasil fechou as portas esta semana. Os dois últimos internos do Instituto Nise da Silveira, no Rio de Janeiro, foram transferidos para uma residência terapêutica, que oferece um tratamento psiquiátrico mais humano e individualizado.
No coração da Zona Norte da cidade, no bairro Engenho de Dentro, um quarteirão inteiro com um passado que não dá para esquecer. Os prédios formam o Instituto Municipal Nise da Silveira, que já teve mais de mil internos. O número de pacientes foi diminuindo quando o hospital começou a se preparar para fechar as portas.
“A partir de 2010 a gente passou a radicalizar mais essa nossa noção de que ninguém mais, ninguém mesmo, deve morar dentro do hospital psiquiátrico. A gente sabe que a gente está no meio de um caminho. Só que o principal a gente vai conseguir fazer, que é dizer não ao manicômio”, diz Erika Pontas e Silva, diretora-geral do Instituto Nise da Silveira.
Fechar as portas definitivamente é muito mais do que o simples fim de um ciclo. É ajudar a encerrar uma cultura que, por muitas décadas, tratou homens, mulheres e crianças como se fossem qualquer coisa, menos seres humanos. É hora de celebrar a resistência. Os últimos internos do Nise de Silveira merecem ser tratados como heróis, porque eles sobreviveram a muitos manicômios.
Flávio, hoje com 39 anos, era ainda adolescente, só tinha 12 anos, quando foi internado pela primeira vez, com um diagnóstico de autismo grave. De lá para cá, passou por muitas instituições psiquiátricas. Foi em um desses que a Tânia, irmã por parte de pai, encontrou Flávio.
“Flávio estava em condições desumanas. Jogado. Não só ele como os outros. Era um local horrível. Os pacientes ficavam deitados na lama. Ali eles urinavam, evacuavam, faziam de tudo ali, as necessidades todas”, relembra Tânia Cristina Messias da Silva, que é técnica de enfermagem.
É a mãe de Moacir, outro paciente do hospital, quem conta que o filho foi diagnosticado com esquizofrenia quando ainda era jovem. A família não tinha e ainda não tem condições de cuidar dele. Ele passou a maior parte da vida internado.
“Olha, se eu for contar o que passei com esse garoto… Só Deus é muita coisa sabe. Mas estou aqui firme e forte. Eu quero meu filho, eu quero ver ele viver muito feliz, ver ele do jeito que ele está”, diz Maria de Lourdes Araújo dos Santos, mãe de Moacir.
A saída dos hospitais não representa o fim do acompanhamento desses pacientes. Flávio e Moacir, assim como muitos outros, não têm condições de voltar a viver com a família. A partir de agora, eles passam a morar em lugares chamados residências terapêuticas. São mais de quinhentos apartamentos alugados no país, com todas as despesas pagas pelo governo. A diferenças dos manicômios é que cada lugar como este abriga poucos moradores. Assim eles recebem, de forma individualizada, assistência psicológica e cuidadores, dia e noite.
O antigo hospital psiquiátrico, que tem o nome da médica brasileira Nise da Silveira, vai dar lugar a um parque. Espaços como esses sempre foram contestados pela psiquiatra alagoana, que foi uma das maiores batalhadoras para o fim dos manicômios e a favor dos tratamentos humanizados.