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Atraso com a segunda dose de vacina nas favelas do Rio é maior do que na média da cidade

A vacinação contra a Covid-19 em favelas anda a passos mais lentos do que a média da cidade. Mesmo a prefeitura tendo adiantado o calendário para todos a partir de 12 anos de idade, cerca de 13% da população vacinável do Rio ainda não tinham voltado ao posto de saúde para tomar a segunda dose até sexta-feira, segundo o painel Rio Covid-19 da prefeitura. Dados da secretaria municipal de Saúde apontam que em três das maiores comunidades do Rio esse atraso é ainda maior: 20% na Rocinha, 16% no Complexo do Alemão e 23% no Complexo da Maré.

Nos últimos quatro dias de julho e entre 14 e 16 de outubro, moradores da Maré puderam adiantar suas primeiras e segundas doses por meio do “Vacina Maré”, programa de imunização em massa com a AstraZeneca feito pela Fiocruz. Considerando apenas os participantes do projeto, o percentual de atrasados cai para quase metade: 12%, índice inferior inclusive ao do Rio.

— Desses 13% da população total que ainda não tomaram a segunda dose, mais da metade são adolescentes, que têm até a primeira quinzena de dezembro para tomar a segunda dose — afirma o secretário municipal de Saúde, Daniel Soranz. — Todos eles, tanto de bairros mais ricos quanto de comunidades, tomaram a vacina da Pfizer e já poderiam sim ter completado o esquema vacinal, já que antecipamos de 12 semanas para 21 dias o intervalo entre as doses. Mas ainda não podemos dizer que eles estão atrasados: eles estão seguindo o que está escrito no comprovante vacinal deles.

Soranz explica que os índices de não retorno para a segunda dose nas favelas são maiores do que a média do município em razão da população jovem desses locais também ser bem mais alta do que a média da cidade.

Mutirão na Rocinha

Seguindo a trilha deixada pelos inúmeros mutirões de vacinação feitos por moradores nas décadas de 1980 e 1990, a Rocinha inicia hoje uma campanha de incentivo à vacinação contra a Covid-19, a “Rocinha Pela Vida”, que também visa a desmentir fake news sobre a vacina.

— Queremos resgatar a memória dos mutirões e campanhas históricas da Rocinha por direitos humanos, bem-estar social e saúde, com foco na vacinação contra a Covid-19. A ideia é que aqueles que lutaram nas campanhas de enfrentamento de doenças que impactaram a Rocinha no passado sensibilizem os moradores para o combate ao coronavírus — explica Antônio Firmino, coordenador do Museu Sankofa Rocinha, movimento criado em 2008 para valorizar a cultura local e que integra a iniciativa com a ONG Centro de Criação de Imagem Popular (Cecip) e a Fiocruz, que financia o projeto.

Ao longo de seis meses, especialistas, moradores e ex-agentes comunitários de saúde farão “lives” educativas — a primeira será realizada hoje às 18h — eventuais palestras sobre a importância de se completar o esquema vacinal contra a Covid-19 e manter as crianças imunizadas contra outras doenças. Um carro de som também circulará pelas ruas, e serão distribuídas centenas de kits com álcool gel e máscaras confeccionadas por costureiras locais.

Antônia Emiliano de Freitas se mudou para a Rocinha em 1973, quando tinha 15 anos. Dez anos depois, tornou-se agente de saúde comunitária voluntária, levando crianças para se vacinar contra doenças que afligiam a comunidade. Aos 63 anos, ela usará o seu exemplo para incentivar e conscientizar a comunidade.

— No início da década de 1980, a mortalidade infantil era muito grande na Rocinha. Não existia posto de saúde na comunidade, e muitas crianças morriam por desnutrição e doenças graves como meningite, sarampo, varíola, rubéola e poliomielite. Hoje, temos três postos de saúde, então é um absurdo que, depois de tanta luta, ainda existam aqueles que ignoram a necessidade de se vacinar contra a Covid-19 — desabafa dona Antônia.

Combate às fake news

Responsável pela comunicação do “Rocinha Pela Vida”, o Cecip terá como principal missão propagar informações científicas sobre a Covid-19 e combater as fake news. Para isso, além de organizar as “lives”, atuará com panfletos, 40 banners informativos e 3.000 cartazes espalhados por bares, igrejas, escolas, entradas de becos e postos de saúde.

Claudius Ceccon, diretor do Cecip, conta que voluntários da própria comunidade atuarão no convencimento da população num trabalho corpo a corpo e produzirão o material de divulgação, com assessoria da ONG. Segundo ele, um dos principais objetivos é romper bolhas de desinformação e combater a postura negacionista que prevalece em entidades religiosas da Rocinha e, consequentemente, influencia os fiéis:

— Esses jovens, por morarem na comunidade, conhecem as desinformações que circulam a cada momento, então poderão reformular novos cartazes sempre que necessário, com auxílio da nossa assessoria. Há uma quantidade enorme de igrejas evangélicas na Rocinha que, apesar de agirem de boa-fé, acabam propagando desinformação sobre a vacina contra a Covid. Tudo será feito com muito respeito.

Engajamento

Mestre em Letras e consultora na área de popularização da ciência, Isabel Azevedo aposta que, ao trazer depoimentos de pessoas que tiveram papéis importantes na construção do sistema de saúde da comunidade, a campanha resgatará a memória da população, resultando numa maior mobilização.

— O Brasil sempre foi referência internacional em vacinação, e a Rocinha tem um histórico rico de mutirões de saúde. Antes, quase ninguém tinha dúvida sobre a eficácia das vacinas, mas essa negação da ciência começou com a Covid — diz a especialista, que já foi diretora da Casa da Ciência e superintendente de Difusão Cultural do Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ.

Segundo Richarlls Martins, pesquisador da Fiocruz e coordenador executivo do Plano Fiocruz de Enfrentamento à Covid-19 nas Favelas do Rio, um dado que chama atenção no projeto é a ampla rede de articulação.

— O engajamento da população para a vacinação contra a Covid é de extrema importância, visto que a comunidade apresenta alguns baixos indicadores de desenvolvimento humano, que geram vulnerabilidade e exposição na pandemia, como, por exemplo, a baixa cobertura de saneamento básico, a falta de água, o alto déficit habitacional, o aumento do quadro de desemprego e da insegurança alimentar entre os moradores — resume o pesquisador.

José Martins, um dos membros do Museu Sankofa e morador histórico da Rocinha, já tomou suas três doses da vacina e diz que lutará, nos próximos seis meses, para que a imunização se estenda para toda a favela:

— A comunidade já construiu sua história de luta por saúde. Agora, a luta é para fazer o trabalho de conscientização que o Estado não faz aqui dentro.

Fonte: Jornal O Extra

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