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    Atacante que descobriu câncer de testículo durante exame na coxa comemora cura

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    Na Segunda Divisão dos Emirados Árabes, os jogos são na sexta ou no sábado. Então, os jogadores têm a semana inteira de preparação. É comum que eles dividam a rotina do futebol com outra profissão. Muitos são policiais, bombeiros, trabalham em outra área de dia e treinam à noite. A responsabilidade é maior para os dois estrangeiros acima de 23 anos que o regulamento permite em cada time.

    Há um ano, Bruno Moraes era um deles em um time chamado Dibba Al Fujairah. Atacante, mais de 30 anos, passagens por times importantes do Brasil e, por isso, a missão de ser o protagonista: “Quando você ganha e faz gol, os caras te idolatram, mas, se perde um jogo, parece que você perdeu sozinho.”

    Foi essa responsabilidade que fez o brasileiro antecipar o retorno aos treinos depois de sentir dores na coxa durante uma partida. A recomendação era de três dias em tratamento para voltar 100%, mas, no segundo, Bruno já queria voltar: “Eu disse para o fisioterapeuta: ‘não vou perder treino, não gosto de ficar no DM’. Ele disse: ‘tudo bem, se está se sentindo bem, vai’. E fui”.

    Passado o aquecimento, veio a tal da “pontadinha” na coxa, e o atacante preferiu sair do campo para não piorar. A volta das dores preocupou os médicos, que pediram exames para saber se havia gravidade, se o músculo precisava de cuidado especial. Bruno nem queria fazer os tais exames, mas cedeu.

    “Dois dias depois chegou o resultado. Eu estava na maca tratando. Um médico árabe chamou o fisioterapeuta brasileiro do clube [Marcelo Gomes], conversaram em inglês, e o Gomes voltou meio quieto. Eu perguntei: ‘o que foi, cara?’. Ele ficou quieto. ‘Não é possível que deu uma lesão na minha coxa, não sinto nada’. E ele: ‘depois a gente conversa’. Eu falei: ‘não, tá maluco? Vai me deixar no trevo? Vai me deixar encanado? Pode falar, tá doido?’. Daí ele disse que o exame mostrou uma alteração no testículo. ‘Como assim? Não sinto dor, não tenho nada no testículo’. ‘É, então, viram uma manchinha lá e querem que você faça exames específicos. ‘Ah, tá bom, vamos fazer então’.”

    “Por que ela não me falou, cara?”

    “Deus age nesses pequenos detalhes. Numa coisinha de um incômodo na coxa, soube de um problema maior.” Esta é a reflexão feita pelo jogador após um ano.

    Bruno Moraes não queria fazer o exame na coxa. E se tivesse esperado um pouco mais para voltar aos treinos, talvez não sentisse a fisgada muscular e seguisse normalmente com a rotina. “Aquilo [o tumor] iria aumentando, aumentando, até que eu tivesse dor e fosse ver o que era. Ali já poderia ser um problema maior, poderia ter proliferado para o estômago ou outros órgãos.”

    O câncer tinha aproximadamente 3 centímetros quando foi descoberto. Apesar do tamanho considerado pequeno, o jogador tinha medo de metástase — como é chamada a disseminação da doença para outros órgãos do corpo.

    “Fui fazer um exame para saber se o câncer não tinha subido para o estômago. Acabei, e a moça falou: ‘me acompanha, porque deu alteração’. Eu: ‘nossa, o quê?’. ‘Sua creatinina está alterada’. Fui para outra sala tomar soro e pesquisei no famoso Google: ‘creatinina alterada’. Deu que significava mau funcionamento dos órgãos. Eu pensei: ‘meu Deus, o câncer se proliferou, agora ferrou com tudo’. E eu sozinho na sala mandei mensagem para o meu pai: ‘o negócio já subiu, não sei o que vai ser da vida’. E ele: ‘para, sai desse Google, às vezes não é nada disso’. Aí chegou o médico e falou que estava alterado por causa de muito tempo de jejum, então era só um soro para não sair do hospital e desmaiar. Por que ela não me falou, cara (risos)?”

    Longe da família, mas curado

    Todo o contato de Bruno Moraes com a família nesse período foi pelo telefone. Sua esposa Tata tinha dado à luz Mirela, terceira filha do casal, no dia 28 de setembro, no Brasil. A descoberta do câncer após consultas com dois diferentes médicos nos Emirados foi no mês seguinte. As gêmeas mais velhas tinham um ano e meio. Então, viajar no meio da pandemia era inviável.

    “Eu falei para minha esposa antes de ir embora que o que acontecesse com as meninas não era para guardar segredo. Não sou um cara que gosta de ‘ah, a Joana caiu, a Lorena caiu, mas já fui no hospital e está tudo bem’. Não gosto disso, quero saber das coisas que estão acontecendo no seu devido momento e cumpri com isso. Quando recebi o resultado do exame e fiquei sabendo eu avisei a ela, que sempre esteve do meu lado e foi muito positiva”, relembra.

    Os médicos ficaram perguntando: ‘Quer ir para o Brasil? Quer operar no Brasil?’ Eu disse que não, que só queria arrancar aquilo de mim, não queria ficar com aquilo, parecia que eu estava sujo. Eu falei: ‘arranca logo, se puder arrancar aqui a gente já arranca isso daqui’.”

    Como o tumor era pequeno e não tinha metástase, os médicos optaram pela simples remoção de um dos testículos de Bruno. A cirurgia aconteceu poucos dias depois do diagnóstico e tudo correu bem, sem precisar de quimioterapia. Os exames pós-cirúrgicos não detectaram alterações. E assim foi no acompanhamento a cada três meses do último ano. Ele estava curado.

    Viva monobola

    Todas as funções hormonais, reprodutivas e sexuais do homem podem ser realizadas por um único testículo, desde que ele esteja saudável. Em até 50% dos pacientes, a fertilidade pode ser afetada, mas a remoção do segundo não é — de forma isolada — um problema. Neste caso, só existiu uma preocupação estética, que Bruno Moraes afirma ter tirado de letra.

    “Cara, não uso isso para nada, pode arrancar (risos). Não tenho problema com isso, não”, brinca, depois de um ano.

    O bom humor é a arma do jogador contra as piadas de tom insensível: “Eu brinco que não posso mais fazer pata do camelo, essas brincadeiras aí (risos). Mas quem passar por isso que leve dessa melhor forma, senão não vamos caminhar na vida. Estou super tranquilo, porque quando você zoa junto você evita mais zoações, quebra todo mundo. O maior dom de todos é a vida. Se você está bem, está saudável, algo estético tem que ser tirado de letra (…) Não atrapalha em nada, vida normal. É só esteticamente mesmo. Em vez de ter dois testículos, tem um. Mas produção de testosterona, ereção, ejaculação, tudo normal, vida normal, nada diferente, nada de dor, zero.”

    No Instagram, quando fala do caso, ele usa a hashtag “#VivaMonobola” para brincar. O único motivo de cuidado é o testículo restante, que precisa ser protegido. Bruno passou a treinar e jogar com uma coquilha daquelas que lutadores usam na região genital. Os exames, a partir de agora, serão anuais.

    O gol e o regresso

    Bruno Moraes voltou aos treinos do Dibba duas semanas depois da cirurgia de retirada do câncer. Os médicos liberaram, e ele tinha grandes responsabilidades, lembra?: “São dois estrangeiros, só dois profissionais no clube, então tudo é acelerado. Voltei a treinar numa segunda-feira, joguei no fim de semana e já pude fazer um gol na vitória do time. Esse gol quis dizer muita coisa, foi um turbilhão de emoções.”

    Foi de cabeça, antes da linha da pequena área, depois de uma falta cobrada pela esquerda do ataque. Na comemoração, a tradicional continência militar que o fez ganhar o apelido de “General” no futebol brasileiro e, em seguida, dedos para o alto, ajoelhado.

    O Dibba ficou em quarto lugar e não conseguiu o acesso para a elite dos Emirados Árabes em 2020/2021. O brasileiro foi liberado ao fim do contrato, em maio deste ano. Era hora de voltar para o Brasil.

    Do Santa Cruz ao Santa Cruz

    Bruno Moraes chamou atenção no futebol brasileiro em 2018. Ele fez cinco gols pelo Botafogo-SP e foi vice-artilheiro do Paulistão atrás de Miguel Borja, do Palmeiras. Também ganhou o prêmio de “Craque do Interior”, o que aqueceu seu nome no mercado, com sondagens de Santos e Fluminense e contrato com o Coritiba.

    Antes disso já tinha feito boas temporadas com a camisa do Santa Cruz, em 2015 e 2016. É o sexto maior artilheiro nos últimos dez anos, foi bicampeão pernambucano e campeão da Copa do Nordeste, participou da Copa Sul-Americana e da campanha do último acesso para a Série A. Mesmo dividindo protagonismo com Grafite, virou um jogador querido e pedido pelo torcedor desde que saiu.

    Neste ano rolou. O anúncio foi no fim de julho para um contrato de tiro curto até o fim da Série C. O Santa Cruz era lanterna do seu grupo e tinha nove jogos para se livrar do rebaixamento. Não conseguiu.

    Bruno Moraes jogou cinco, três como titular. Não fez gol e saiu na bronca: “Fiquei triste por voltar num momento em que o clube precisava e não ser tão utilizado. O Roberto Fernandes [técnico da equipe] não estava tão feliz com a minha chegada, não precisava de um centroavante. Eu não sabia, senão não teria voltado. A diretoria queria muito, mas o treinador não queria. Até falei para o Roberto: ‘não sei por que você me trouxe, era só falar que não me queria'”, disse o atacante.

    “Infelizmente não é todo mundo que sabe disso, então acabamos saindo como vilões sem ter culpa. Você vê muitas pessoas falando: ‘ah, veio aqui para passear, veio aqui para não fazer nada’, mas eu estava impotente.”

    E agora?

    Bruno Moraes lamenta a queda do Santa Cruz para a Série D: “Um clube desse tamanho, com essa torcida, essa potência, tem que estar no melhor cenário do futebol brasileiro. Quem encarar esse desafio agora tem que saber que está entrando num gigante e precisa fazer diferente.”

    O contrato dele está para terminar e não será renovado. Por isso, se estabeleceu outra vez em Bragança Paulista (SP), a cidade onde nasceu, e mantém uma rotina de treinos diários em academia e campo para chegar pronto no próximo clube. O plano é disputar um Estadual de alto nível em 2022 e voltar ao mercado.

    “Essa volta acabou prejudicando os meus projetos. Era para estar dentro de campo, ajudar e voltar para o mercado. Acabei não jogando, é difícil até profissionalmente. Agora vou ficar aqui em casa por dois ou três meses treinando. Mas sempre digo que temos que sonhar acordados, porque a oportunidade não manda recado, ela bate na porta”, reflete.

    Aos 32 anos, Bruno Moraes se diz longe de pensar em aposentadoria: “Hoje em dia o cara que se cuida, ainda mais centroavante, consegue levar até os 37, 38, então minha expectativa é essa. Me sinto um garoto e isso é o mais importante. Essa chama de vencer está acesa em mim e quero queimar muita lenha ainda, se possível o mais longe que der vamos estar fazendo nossos golzinhos.”

    Mas Bruno Moraes sabe que o gol mais importante dessa história já foi marcado e fez um ano em outubro.

    Por: UOL

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    Alexandre R. Ducoff
    Alexandre R. Ducoff
    Formado em jornalismo no ano de 2020. Já trabalhei como fotógrafo e cinegrafista no Atitude Video Art, fotógrafo no Estúdio Novo Olhar, redator do informe-se, repórter do M1newstv Maricá Noticiais e criador de conteúdo da CEIC. Atualmente trabalho como redator, editor e cinegrafista no Gazeta 24 Horas News.

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