Governos estaduais anunciaram nas últimas semanas o fim da obrigatoriedade do uso de máscaras como medida preventiva à covid-19. A iniciativa se apoiou na melhora dos números de contaminações no país. No entanto, a liberação está longe de ser consenso entre especialistas em saúde que acompanham o desenrolar da pandemia e um balanço divulgado na sexta-feira pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) parece dar munição aos que advogam que ainda é precipitado relaxar as regras sobre as máscaras.
O balanço, feito pela equipe do Infogripe – ferramenta da Fiocruz e do Ministério da Saúde que avalia a evolução de vírus respiratórios -, chama atenção para duas mudanças na curva de diagnósticos relacionados a vírus respiratórios.
Uma delas foi o salto na média móvel de novos casos semanais de síndrome respiratória aguda grave (SRAG) entre o público de 0 a 11 anos. A outra mudança tem a ver com a interrupção na queda de casos de covid-19, principalmente em crianças de 5 a 11 anos.
Para o pesquisador em saúde pública Marcelo Gomes, coordenador do Infogripe, esses dados guardam relação direta com a volta às aulas e também com o relaxamento do uso de máscaras.
Gomes aponta que logo após o início de fevereiro, quando as crianças começaram a voltar às escolas, os dados passaram a indicar um aumento de casos de síndromes respiratórias.
Segundo a Fiocruz, entre o início de fevereiro e 19 de março, o número de diagnósticos de crianças até 4 anos com síndrome respiratória saiu de cerca de 970 por semana para cerca de 1.870 por semana, alta superior a 90%.
Na faixa etária imediatamente posterior, entre crianças de 5 a 11 anos, o aumento da média móvel foi de mais de 200%: de cerca de 160 casos semanais para uma média estimada de 506 casos semanais, segundo a Fiocruz.
Casos de Srag são causados principalmente pelos vírus da Influenza A ou B, pelo vírus sincicial e pelo coronavírus.
Ainda segundo os dados usados pela Fundação Oswaldo Cruz, análises laboratoriais preliminares indicam que entre as crianças até 4 anos o vírus sincicial teve um papel importante no momento de síndromes respiratórias.
“Já no grupo de 5 a 11 anos observa-se sinal de possível interrupção de queda nos resultados positivos para Sars- Cov2 na segunda semana de fevereiro podendo estar associada à retomada do crescimento de casos de Srag nessa faixa etária”, afirma o boletim da Fiocruz. “Nas demais faixas etárias, mantêm-se o sinal de queda no número de casos associados ao Sars-Cov2”, acrescenta o balanço.
“Minha percepção pessoal é que ainda é precipitada a remoção ampla e irrestrita da obrigação do uso das máscaras”, afirma Gomes. Não se trata, na sua avaliação, de manter a obrigatoriedade como era até alguns meses atrás, mas máscaras deveriam, defende ele, continuar sendo necessárias no transporte público, nas escolas e em ambientes fechados com aglomeração.
Depois de uma disparada no número de casos de covid em janeiro e fevereiro, o Brasil tem registrado uma melhora consistente no ritmo de contaminações. A Fiocruz apresentou também na sexta-feira um dado dessa melhora: pela primeira vez desde julho de 2020 as taxas de ocupação de leitos de UTI para pacientes com covid e Srag ficaram abaixo de 60% no país.
Nas últimas semanas, governadores e prefeitos pelo país anunciaram o fim da obrigatoriedade de máscaras em ambientes abertos e fechados – medida questionada por parte dos médicos e pesquisadores que lidam com a pandemia.
Além do alerta que surgiu sobre as crianças no boletim da Fiocruz, a cautela passa também pelo que se vê atualmente na China e em alguns países europeus: um novo aumento número de casos nas últimas semanas.
“O hemisfério norte tem sido um farol do que acontece no Brasil alguns meses depois”, diz Marcelo Gomes, ao lembrar que ondas de contaminações vividas tanto na Ásia quanto em nos países europeus acabaram se replicando depois no Brasil.
Fonte: Valor Econômico, globo.