Mesmo fora da época de chuvas, a dengue continua a gerar transtornos no Distrito Federal. Antes do fim deste primeiro semestre, os registros alcançaram uma marca chocante: mais de 50 mil casos prováveis, maior índice desde 1998, ano de início dos levantamentos sobre a doença feitos pelo Ministério da Saúde. O dado mais recente divulgado pela pasta supera o recorde anterior, de 2020, quando houve 42.057 possíveis infecções notificadas. Os números de 2 de janeiro até o último dia 18 colocam Brasília (54.865) em primeiro lugar no ranking de registros por município, seguida por Goiânia (42.025) e Joinville (SC, 24.580).
O resultado fez Brasília e Goiânia puxarem o Centro-Oeste para o topo da lista de regiões com mais infectados por grupo de 100 mil habitantes. Considerada essa taxa, o Distrito Federal ocupa o oitavo lugar no país. No recorte das capitais brasileiras, apenas, o DF fica na terceira colocação, atrás de Palmas e Goiânia, respectivamente.
Professor da Faculdade de Medicina da Universidade de Brasília (UnB), Rodrigo Gurgel Gonçalves avalia que variáveis diferentes impactaram para o aumento de casos. “Essas hipóteses podem atuar ao mesmo tempo, com maior ou menor peso, para causar o cenário que temos vivido. Inicialmente, a questão do descuido relacionado à prevenção; depois, a falta de controle vetorial, porque os agentes (de saúde pública) deixaram de entrar nas casas das pessoas durante o período de lockdown da pandemia. Há, também, fatores climáticos que podem contribuir”, elenca.
Rodrigo Gurgel argumenta que, para controlar a situação, o Estado deve fortalecer campanhas de vigilância. “O uso de propagandas, de placas e dispositivos em ônibus, por exemplo, é primordial. Assim como a disponibilização de agentes (do Sistema Único de Saúde) para combater o mosquito Aedes aegypti. Outro fator importante é termos um Lacen (Laboratório Central de Saúde Pública) devidamente equipado para a vigilância dos sorotipos que circulam no DF”, salienta.
Ciclos
Infectologista no Hospital Brasília, Ana Helena Germoglio comenta que a dengue — como outras viroses transmitidas por mosquitos — tem ciclos. “Nesse período, é esperada uma alta no número de registros. No caso dessa doença, ele ocorre a cada três anos, mais ou menos, o tempo de vida do inseto. Tivemos aumento de casos em 2016, 2019 e, agora, em 2022. Por isso, o crescimento das notificações era esperado”, comenta.
Sobre a queda no número de casos prováveis no ano passado, Ana Helena Germoglio observa que, pela dinâmica da pandemia, muitas pessoas ficaram em casa. “Então, acabou que se tornou mais fácil para elas tomar conta do próprio domicílio, fazendo com que a água parada não se acumulasse. Só que, também em 2021, as equipes volantes da Vigilância Sanitária que fazem visitas às residências foram destacadas para o cuidado contra a covid-19. Então, a dengue foi ‘deixada de lado’ pela necessidade de atuação contra o novo coronavírus”, analisa a infectologista.
Quem contrai a dengue sabe o quanto a doença pode fragilizar o organismo. Infectado quatro vezes na vida, o aposentado Ilmenildo Santos Pereira, 72 anos, lembra-se de como ficou debilitado na primeira vez, nove anos atrás. “Tive a hemorrágica, fiquei 17 dias internado e precisei fazer transfusão de sangue. Nas demais ocasiões, o corpo reagiu melhor, ainda que demorando um pouco para se recuperar”, descreve.
Doutor em biologia e professor de biologia molecular e genética do Centro Universitário de Brasília (Ceub), Paulo Roberto Martins Queiroz afirma que infecções e mortes por causa da dengue acontecem no DF porque há falhas para monitorar o descarte correto de resíduos e devido à adoção de hábitos inapropriados. “Assim, no período das chuvas, temos criadouros garantidos para proliferação do mosquito, ficando mais difícil o combate, pois o ciclo de procriação do inseto ocorreu. Os ovos colocados pelas fêmeas na época chuvosa suportam a seca e eclodem quando a fase úmida volta”, alerta o especialista.
Para o professor, a alta na curva de casos também tem relação com a flexibilização das atividades de vigilância epidemiológica, além da diminuição na divulgação de campanhas educativas sobre prevenção e cuidados. O professor lembra que a detecção precoce do quadro e um atendimento de saúde adequado podem reduzir as taxas de mortalidade para abaixo de 1% — que, segundo ele, deveria ser a meta. “Infelizmente, zerar os casos é muito difícil, pois o inseto é adaptado ao clima tropical. Mas poderíamos reduzir esses casos. É muito mais viável e evitaria a perda de vidas”, completa Paulo Roberto.
Avaliações
Dados do mais recente boletim epidemiológico divulgado pela Secretaria de Saúde (SES-DF) mostram que o número de casos prováveis é superior ao notificado pelo Ministério da Saúde. A quantidade ficou em 54.713, desde o começo do ano. No entanto, o último Levantamento Rápido de Índices para o Aedes aegypti (Liraa), produzido pela pasta em abril, apresentou Índice de Infestação Predial inferior a 1%. O resultado analisa a quantidade de lares com larvas do mosquito transmissor da dengue. No levantamento, só 0,8% dos domicílios do DF registraram a presença do vetor, sendo o Lago Norte a única região administrativa em risco na capital federal, com taxa de 4,33%.
Em um panorama que considera as semanas epidemiológicas de 30 de maio a 4 de junho, Lago Sul, São Sebastião, Planaltina e Brazlândia apresentaram a maior concentração de casos, com média de 300 a 492 registros para cada 100 mil habitantes. Desde o começo do ano, porém, a região de saúde sudoeste acumula o maior número de registros: houve 288 ocorrências de alarme e 12 casos graves em Águas Claras, Samambaia, Taguatinga, Vicente Pires e no Recanto das Emas.
Ao Correio, o Governo do Distrito Federal (GDF) informou, em nota, que os casos de dengue aumentaram em todo o país e que, diante do cenário vivido pelos brasilienses, não tem “medido esforços na execução das atividades de prevenção e combate ao mosquito transmissor”. O Executivo local contratou 500 novos agentes de vigilância ambiental em 2021, o que elevou o total para 1,3 mil profissionais. “Todos os dias, eles estão nas ruas vistoriando imóveis. Recentemente, 300 militares do Corpo de Bombeiros foram capacitados para colaborar nas vistorias”, destacou.
O GDF acrescentou que promove medidas de controle do mosquito Aedes aegypti diariamente, em todas as regiões administrativas, com base na incidência de casos e nas cidades com mais presença do inseto. “Após essa análise, as regiões com maior aumento (de notificações) recebem uma intensificação das ações, inclusive com uso do UBV Pesado (fumacê), que é mais uma das estratégias utilizadas no combate (à doença)”, ressaltou a nota. Cerca de 3 milhões de imóveis receberam aplicação dos inseticidas e, de janeiro a junho, mais de 1,7 milhão de locais receberam visitas das equipes de saúde, segundo o governo local.
Casos por 100 mil habitantes
Capitais
1º – Palmas (TO) — 4.243,5/100 mil hab.
2º – Goiânia (GO) — 2.701,5/100 mil hab.
3º – Brasília (DF) — 1.710,4/100 mil hab.
4º – Fortaleza (CE) — 406,2/100 mil hab.
5º – São Paulo (SP) — 88,8/100 mil hab.
Cidades
1º – Araraquara (SP) — 5.523,8/100 mil hab.
2º – Palmas (TO) — 4.243,5/100 mil hab.
3º – Joinville (SC) — 4.064,8/100 mil hab.
4º – Cascavel (PR) — 3.806,0/100 mil hab.
5º – São José do Rio Preto (SP) — 3.425,6/100 mil hab.
6º – Goiânia (GO) — 2.701,5/100 mil hab.
7º – Aparecida de Goiânia (GO) — 2.604,0/100 mil hab.
8º – Brasília (DF) — 1.710,4/100 mil hab.
9º – Fortaleza (CE) — 406,2/100 mil hab.
10º – São Paulo (SP) — 88,8/100 mil hab.
Fonte: Ministério da Saúde
Fonte da Matéria: Correio Braziliense.