Basta olhar para a corrida de atrasados aos postos em busca de vacina ou para alguns estados retomando, timidamente, a política de máscaras para notar: a Covid-19 avança em uma nova onda de contágios no Brasil. Em termos numéricos, segundo dados do consórcio de veículos de imprensa, ontem, a média móvel de casos era 52% superior ao índice de duas semanas atrás e a média de mortes era 46% mais alta — trata-se de uma tendência de crescimento.
Especialistas em epidemiologia, contudo, pontuam que essa onda poderá ser diferente da primeira provocada pela Ômicron, cujo pico alcançou médias móveis de 870 óbitos diários, em fevereiro de 2022 (o índice ontem foi de 107 mortes). Agora, espera-se que o impacto do contágio seja menos intenso, poupando mais vidas e com menos internações.
Há algumas razões para o otimismo — cauteloso, diga-se — dos especialistas. Ao mirar as curvas internacionais, estima-se que a atual onda de disseminação da variante B.Q1, em avanço há cerca de 15 dias no Brasil, chegue às seis semanas de duração. Na França e Alemanha, onde a mesma mutação da Ômicron elevou os indicadores de diagnósticos e óbitos, o cenário foi controlado, longe da devastação causada por outras variantes.
— Não ocorreu um impacto tão grande em mortes, intubações e internações graves, apesar da potência de contágio das variantes. É (uma situação epidemiológica) incomparável a momentos anteriores, muito por conta da vacinação — diz o geneticista do Laboratório Genetika, em Curitiba, Salmo Raskin. — A tendência é que a amplitude da onda fique entre quatro e seis semanas. Aqui, passaram-se algumas semanas e os últimos dados já mostram a hospitalização, em locais como São Paulo, começando a cair.
Controle
A percepção de que os casos perderam, timidamente, a potência entre o final de novembro e começo de dezembro pode ser ratificada nas amostras da rede Dasa. Por lá, a positividade para Covid-19 dos testes diagnósticos oscilou de 50% no final do mês passado para 40% nesta semana.
— Há tendência pequenininha de queda em São Paulo e no Rio, o que afeta os números nacionais como um todo. Brasília, porém, tem crescido. Assim como o bloco do Nordeste. Neste momento, a onda se prolonga por conta das eleições, Copa e a chegada do final de ano. Do contrário, veríamos uma queda de casos mais rápida — diz José Eduardo Levi, virologista da Dasa. — Temos que lembrar que uma onda acaba porque o estoque de pessoas suscetíveis ao vírus acaba e isso tem a ver com o quanto as pessoas se expõem.
A ideia de que a variante terá potência controlada é compartilhada pelo médico infectologista, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul e pesquisador da Fiocruz, Julio Croda.
— Devemos ter um menor impacto dessa nova onda em termos de novos casos e hospitalizações. É óbvio que temos avançado nas vacinações e, em paralelo, tivemos muitos casos da própria variante Ômicron, em duas ondas. Uma no começo do ano e outra entre abril e junho — afirma Croda. — Temos uma população vacinada e temos um histórico de circulação intensa das novas variantes BA.4 e BA.5 que são originárias da variante BA.1.
Croda, contudo, pondera que o impacto da doença não é desprezível, mesmo que reduzido. O país atingiu, nesta semana, a marca de 100 óbitos diários em médias móveis. Um patamar que não era visto desde setembro deste ano.
— Mesmo tendo impacto menor, a Covid ainda mata muita gente, é preciso que isso fique claro. É uma onda com menor impacto, mas mesmo assim é elevado e, em número de óbitos, é o dobro do que ocorre com o vírus Influenza. É preciso também dizer que o perfil das mortes envolve pessoas com 50 anos sem a segunda dose de reforço de de crianças com menos de dois anos que não tiveram acesso à vacinação.
Comportamento
Os especialistas ressaltam que há mais fatores que podem ter influência no andamento desta onda. Um dos aspectos que abre espaço para incerteza é que os novos casos são bem divididos entre as linhagens da Ômicron BA.5 e da derivada BQ.1. Em paralelo, há ainda a variante BE.9 — também derivada da BA.5 — descoberta por pesquisadores da Fiocruz, em Manaus, e que começa a se espalhar pelo país. Saber como cada mutação irá se comportar nas próximas semanas não é possível — e pode mudar o curso dos contágios.
— Vamos ver como as variantes brigam pelo espaço. No caso do Brasil, o que traz curiosidade é o impacto das atividades do final de ano, que foram dinamizadores de casos nos últimos anos. Ainda temos a Copa do Mundo como agravante — diz Fernando Spilki professor da Universidade Feevale do Rio Grande do Sul e coordenador da Rede Corona-ômica BR. — Aprendemos que o nível de cuidado das pessoas e o nível de vacinação importam par o desdobramento de cada onda.
Fonte: Extra.