Ícone do site GAZETA 24HORAS RIO

Autoridades que trabalharam no caso ‘Dona Vitória’ destacam a coragem da idosa em denunciar os crimes

Dona Joana com sua câmera: ação contra o crime Foto: Fábio Gusmão

A coragem e a indignação de Joana Zeferino da Paz levou a idosa a denunciar o tráfico de drogas na Ladeira dos Tabajaras, em Copacabana, Zona Sul do Rio de Janeiro, usando apenas uma câmera de filmar. Aos 97 anos, Joana morreu nesta quarta-feira após ficar internada após dez dias internada, vítima de um acidente vascular cerebral. Nos últimos 17 anos ela esteve no anonimato e ficou conhecida internacionalmente como “Dona Vitória”.

O juiz Flávio Itabaiana destaca que a importância de Joana para desmantelar uma quadrilha, que envolvia policiais militares. Ele se recorda do caso de Dona Vitória como o mais importante de sua vida pela maneira que se iniciou e velocidade de resposta da Justiça, ressaltando que nunca teve contato com a idosa, que já estava no programa de proteção às testemunhas.

O magistrado lembra que a partir da apresentação das imagens foram autorizadas interceptações telefônicas que mostraram policiais militares participando do esquema criminoso. Os grampos também revelaram que, de dentro da cadeia, o antigo chefe do tráfico do Tabajaras Ronaldo Pinto Lima e Silva, o “R9”, continuava comandando o grupo criminoso por telefone.

— Ela fez justiça. Se não fosse a Dona Vitória não teríamos tido o sucesso que tivemos. Foi feito um trabalho grande e ela foi fundamental. E não apenas pelas imagens, mas do que se desencadeou. A partir das gravações, nove policiais foram pegos nas interceptações. Seria ótimo que outras pessoas tivessem esse tipo de comportamento, mas sabemos muito bem dos riscos que correm se forem descobertos. Foram 26 réus condenados em cinco meses, incluindo nove policiais militares — destaca Itabaiana.

O procurador regional da República Leonardo Cardoso de Freitas, na época membro do Conselho Gestor do Programa de Proteção a Testemunha do Rio, ressalta a coragem de Dona Joana para denunciar os crimes. Ele ainda diz que para a proteção da idosa foi necessário transferi-la de cidade e mudar sua identidade.

— Ela foi muito corajosa, de um perfil extraordinário. Ela denunciou pelo puro desejo de atender o bem comum. Foi proativa e pagou um preço por isso que é o do anonimato e de sofrer o desconforto de mudar de vida — conta Cardoso.

Passados mais de 17 anos do episódio, algumas pessoas ainda lembram da aposentada. Ela morava em um prédio com mais de cem apartamentos, no bairro Peixoto, em Copacabana. Atualmente, poucos proprietários de imóveis daquela época continuam a residir no local. Quem a conheceu, reconhece que a aposentada foi uma mulher forte.

Desacreditada por alguns

Uma idosa simples desacreditada por agentes de várias delegacias e batalhões. Assim, Joana é descrita pelo comissário da Polícia Civil Aurílio Nascimento, primeiro policial a acreditar no relato feito pela aposentada. Segundo Nascimento, a idosa procurou atendimento na Coordenadoria de Inteligência de Polícia Civil (Cinpol) carregando em uma das mãos uma sacola com fitas gravadas em uma filmadora. Ao ser atendida, ela contou ter passado por várias unidades, tanto da Polícia Civil quanto da Polícia Militar. E acrescentou ter sido orientada a ir até à Cinpol para tentar resolver o problema.

— Ela havia ido em tudo que era lugar e ninguém acreditava no que dizia. Era vítima de chacota em delegacias e batalhões que a empurravam de um lugar para o outro. O que mais me revoltou foi o fato de a senhora ter sido tratada com desdém, empurrada de um lado para outro com descaso em outras unidades. Era uma senhora idosa e simples. Contou morar em um prédio, e que numa comunidade localizada atrás do edifício, havia uma boca de fumo. Coloquei uma das fitas num videocassete e fiquei eufórico com os flagrantes que ela havia feito — disse o comissário, que na época era inspetor.

Dona Vitória deixou o material com o policial que o repassou para sua chefia. Mas, ele foi além. Também apresentou a idosa ao então repórter Fábio Gusmão, já que entendia que uma repercussão do caso poderia ajudar nas futuras prisões.

— O Gusmão procurou e conversou com a Dona Vitória. O Fábio chegou a ir para a casa da idosa por várias vezes. Paralelamente, a investigação começou a identificar os bandidos e os maus policiais que recebiam propina. Ela foi incluída no programa de proteção à testemunha. A operação só foi deflagrada pouco mais de um ano, quando ela foi convencida a sair do Rio para morar em outro Estado. A atitude da idosa foi de coragem e revolta — disse o comissário.

Filme estrelado por Fernanda Montenegro

Após a morte de Joana Zeferino da Paz, aos 97 anos, o GloboPlay e a produtora Conspiração lamentam a morte da alagoana, que terá um filme sobre sua vida estrelado por Fernanda Montenegro.

“O Globoplay e a produtora Conspiração lamentam a morte de Joana Zeferino da Paz, que faleceu aos 97 anos na tarde de ontem em Salvador. A história de Joana, senhora que aos 80 anos filmou a rotina do tráfico em Copacabana e levou a prisão de bandidos e policiais em 2005, é a inspiração de ‘Vitória’, filme Original Globoplay com produção da Conspiração e da produtora associada My Mamma.

O longa tem Fernanda Montenegro no papel principal e o ator Alan Rocha dando vida ao personagem inspirado no jornalista Fabio Gusmão, hoje editor de O Globo e Extra, que descobriu a história de Dona Joana e a trouxe a público.

Por 17 anos, Joana da Paz vivia sob anonimato forçado no programa de proteção a testemunhas. Por questões de segurança, os personagens sofreram adaptações, como nome, características físicas e naturalidade para que não fosse possível identificá-los. No filme, Joana se chama Josefina e, em vez de alagoana, é mineira.

‘Vitória’ teve as gravações concluídas em dezembro do ano passado e está em fase de pós-produção. A estreia está prevista para 2024. A direção é de Andrucha Waddington, que assumiu o projeto no lugar de Breno Silveira, que faleceu no início das filmagens”, diz nota.

Fonte: Extra.

Sair da versão mobile