Patrícia de Paiva Reis foi presa em flagrante após sequestrar a mãe, Maria Aparecida de Paiva, e interná-la à força em uma clínica psiquiátrica Foto: Reprodução
Uma semana antes de sequestrada e levada à força a clínicas psiquiátricas pela filha e pelo genro, a aposentada Maria Aparecida de Paiva, de 65 anos, chegou a ingressar com um pedido de medida protetiva contra Patrícia de Paiva Reis. Na ação, ela alegou ter sido vítima de violência doméstica por parte da filha, que se negava a deixar seu apartamento e a ameaçava de internação. Na decisão, porém, a juíza Camila Rocha Guerin avaliou que caso não se enquadrava no âmbito da Lei Maria da Penha, em que é necessária a submissão da vítima baseada no gênero feminino.
“Não há nenhum elemento que demonstre ter a requerida se utilizado de eventual fragilidade ou hipossuficiência a vítima para praticar os atos descritos no registro de ocorrência. Logo, sua conduta não foi baseada no gênero, como exige a Lei 11.340/06, sendo, portanto, incompetente este juízo para processar e julgar o presente feito. Por isso, declino da competência para o juízo competente, por não estar configurada violência doméstica e familiar contra a mulher no caso em comento”, escreveu, em seu despacho, a magistrada em exercício no I Juizado de Violência Doméstica Familiar do Tribunal de Justiça do Rio.
No documento, ao qual o EXTRA teve acesso, Guerin ainda determinou que a ação fosse remetida ao Juizado Especial Criminal competente. O pedido foi feito por Maria Aparecida dias após Patrícia ter acionado o Serviço de Atendimento Móvel de Urgência (Samu) afirmando que a mãe estaria em surto psicótico. Na ocasião, a aposentada relatou à Justiça que ela disse que se não fosse sua filha iria agredi-la.
Em um laudo assinado pela equipe do Samu, os médicos constataram que a idosa, no apartamento da família, no Catete, na Zona Sul do Rio, não apresentava transtornos nem agressividade, mas se referia à filha com medo e retração, aparentando temê-la. O documento mostra que Maria Aparecida “apresentava discurso coeso, linear e coerente” e informou sobre a “relação conturbada” com a filha. Na ocasião, ela aceitou ser atendida e examinada, “apresentando sinais vitais estáveis e sem alteração no exame físico, dizendo haver história pregressa de enxaqueca”.
O laudo aponta ainda que a equipe médica presenciou a interação entre a aposentada, Patrícia; seu genro, Raphael Machado Costa Neves; e os dois seus dois netos, de 2 e 9 anos. Os dois adultos foram presos em flagrante por policiais da 9ª DP (Catete), na última sexta-feira, e indiciados pelos crimes de sequestro triplamente qualificado e coação no curso do processo. Na delegacia, eles se recusaram a prestar depoimento.
“Paciente apresentou comportamento carinhoso com os netos, porém, ao conversar com a sra. Patrícia, esta informou que iria restringir a entrada de uma amiga da paciente. A paciente relutou sobre a decisão, mas a sra. Patrícia referiu que o apartamento era dela e que ela faria o que quisesse. A partir desse momento, iniciou-se uma discussão sobre os bens materiais, não sendo mais necessário o atendimento do Samu, visto se notar um conflito familiar”, escreveram os médicos.
No documento, também é mencionado que, durante o atendimento, os profissionais contactaram uma advogada que disse conhecer a idosa havia anos. Ela informou que a aposentada não possui doença nem alteração psiquiátrica, mas confirmou a relação familiar conturbada e disse ainda que Patrícia costumava fazer “acusações caluniosas” contra a mãe.
Ao deixar o prédio, os médicos do Samu ainda relataram terem sido abordados por duas moradores e um funcionário, que afirmaram que a Maria Aparecida “nunca apresentou alterações e sempre houve boa convivência” e também afirmaram que ela era ameaçada por Patrícia. Eles os questionaram sobre como buscar auxílio da Secretaria Municipal de Assistência Social, já que filha acionava o Corpo de Bombeiros e a Polícia Militar com frequência para intervir na comunicação entre ambas.
De acordo com o delegado Felipe Santoro, titular da 9ª DP (Catete), ao longo dos últimos 17 dias, apesar de não ter nenhuma doença nem necessidade terapêutica, idosa foi mantida na unidade particular de saúde a fim de ser coagida a se retratar de uma notícia crime que havia feito denunciando maus-tratos contra os dois netos, de 2 e 9 anos, na Delegacia da Criança e do Adolescente Vítima (Dcav).
As investigações apontam que, ao ser abordada por dois homens, na Rua do Catete, no início da tarde de 6 de fevereiro, a idosa acreditou se tratar de uma “saidinha de banco” ou um sequestro relâmpago, mas logo percebeu que a violência acontecia a mando de sua filha, já que um dos criminosos disse que “era coisa de família”.
Colocada em uma ambulância, a aposentada narrou ter chorado durante todo o trajeto até Petrópolis e, ao chegar na clínica, teve a bolsa e o celular retirados pelos funcionários, sendo colocada em um quarto sem janela nem ventilação por três dias. No local, ela disse ter sofrido com fome e com sede e gritado diversas vezes por socorro. Depois, a idosa relatou ter sido levada para um espaço coletivo, onde passou a ser obrigada a ingerir medicações.
Em depoimento, a vítima disse ainda que questionava os médicos por sua alta, mas ele passava por ela e não a respondia. Durante o carnaval, ela contou ter recebido a visita de sua filha e do companheiro dela. O casal teria relatado a idosa que tentaria desqualificar o registro feito por ela na Dcav, demonstrando que ela sofria de “desequilíbrio mental”.
Aos policiais, a vítima narrou ainda que ambos os netos, um deles com deficiência mental, sofrem maus-tratos, não recebendo alimentação e asseio adequados. Depois de alguns dias internada, a idosa diz ter sido novamente colocada à força em uma ambulância e levada para outra unidade psiquiátrica. No local, ela contou a uma médica o desejo de sua filha em ficar com a integralidade da pensão que ambas dividem.
Fonte: Extra.