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Guerra do jogo do bicho leva terror a quatro bairros do Rio

O bicheiro Rogério Andrade chega presos à sede da PF na Praça Mauá: sobrinho de Castor de Andrade, controla pontos de jogo nas zonas Norte e Oeste do Rio. Foto: Gabriel de Paiva.

Dois depoimentos explosivos à Polícia Civil revelaram detalhes de uma guerra que vem apavorando pelo menos quatro bairros do Rio: Catumbi, Tijuca, Andaraí e Vila Isabel. Além do tráfico e da milícia, o carioca agora vê um acirramento de uma disputa entre bicheiros por territórios das zonas Norte e central da cidade. Foi Luiz Cabral Waddington, de 42 anos, que destrinchou o que vem acontecendo nas ruas. Decidiu fazê-lo após seu filho, de 22, ser baleado quatro vezes, na última sexta-feira, perto do Sambódromo.

Segundo Luiz, os autores do crime pensavam estar atirando nele, e não no rapaz, que dirigia um carro usado pelo pai e sobreviveu por milagre. Bicheiro confesso, ele contou, sem meias palavras, que trabalha há 20 anos para a “família Garcia” — de Waldemir Paes Garcia, o Maninho, assassinado em setembro de 2004 —, cujos negócios ilegais seriam hoje controlados por Bernardo Pimentel Bello Barboza. Luiz afirmou ser “o gerente” de mais de 40 pontos de jogo, “do Engenho Novo ao Leblon”.

Ele seria mais uma das vítimas da guerra que já deixou dois mortos e cinco feridos só este mês. Na noite de anteontem, um cabo da PM foi executado em Marechal Hermes. De acordo com Luiz, por trás dos ataques, estão herdeiros dos antigos chefões da contravenção.

Horas depois do atentado sofrido pelo filho, Luiz disse na 6ª DP (Cidade Nova) que vem sendo ameaçado de morte por Adilson Coutinho Oliveira Filho, o Adilsinho, que herdou do pai a contravenção em parte de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, e seria ligado ao mercado clandestino de cigarros. Luiz afirmou ainda que Adilsinho — primo do bicheiro Hélio Ribeiro de Oliveira, o Helinho, presidente de honra da escola de samba Acadêmicos do Grande Rio — recebe apoio de Rogério Andrade, que assumiu o espólio da família de Castor de Andrade, e de Vinicius Drummond, um dos cinco filhos do “capo” da contravenção Luiz Pacheco Drummond, o Luizinho, que morreu em 2020.

Segundo Luiz, seus inimigos querem assumir a área da família Garcia. Nesta quarta-feira, ele foi convocado a prestar um novo depoimento, dessa vez na Delegacia de Homicídios da Capital sobre o rastro de violência deixado pela guerra do bicho. Luiz falou por seis horas. Ao deixar a unidade policial, na Barra da Tijuca, o clima ficou tenso.

Agentes da DHC, com armas em punho, abordaram três homens numa picape de luxo. Dois deles estavam armados e se apresentaram como policiais militares. Todos foram identificados e liberados. O advogado do bicheiro admitiu ter contratado uma empresa de segurança para garantir a integridade de seu cliente. O nome da firma não foi divulgado, nem os dos PMs. Em uma nota, a Secretaria de Polícia Militar afirmou que enviará o caso à sua corregedoria da corporação.

Os depoimentos de Luiz também estão trazendo à tona um suposto plano de Rogério, Adilsinho e Vinícius: a formação de uma nova cúpula da contravenção. Há décadas, os chefões do bicho integram um grupo e respeitam um acordo, segundo o qual cada um fica em seu território. A partir do fim dos anos 90, guerras internas implodiram nas famílias, e agora surge essa nova disputa. De acordo com Luiz, os três estariam tentando tomar os pontos de Bello, que foi casado com Tamara Garcia, uma das filhas de Maninho.

As suspeitas são de que contraventores rivais estejam disputando o controle de 47 pontos de apostas que vão desde o Engenho Novo, na Zona Norte, até Ipanema, na Zona Sul.

Confira quem são eles

  • Daniel Mendonça da Silva

O cabo, de 41 anos, integrava a Polícia Militar desde 2012. Ele foi preso em março deste ano, acusado de integrar da quadrilha do contraventor Bernardo Bello. Ele teve a prisão relaxada no mesmo mês. Com o assassinato do agente, a polícia investiga a relação do crime com a guerra do jogo do bicho.

Bernardo Bello, acusado de matar o bicheiro Alcebíades Paes Garcia, o Bid, foi preso na Colômbia em janeiro deste ano — Foto: Divulgação

Daniel deixou a prisão no fim do mês passado, após decisão do juiz Juarez Costa de Andrade, da Vara Especializada de Combate ao Crime Organizado, que entendeu que havia ilegalidades na prisão. Segundo o juiz, o Ministério Público não ofereceu denúncia contra eles, quase um mês após todos serem detidos, desrespeitando prazo do Código de Processo Penal.

Ele foi baleado por homens encapuzados e levado para o Hospital Estadual Carlos Chagas, no mesmo bairro, mas morreu na unidade de saúde. A Delegacia de Homicídios da Capital (DHC) investiga a morte do agente. A Corregedoria Geral da PM acompanha os desdobramentos do caso.

  • Luiz Henrique de Souza Waddington

Na última sexta-feira, o motorista Luiz Henrique de Souza Waddington, de 22 anos, foi vítima de homicídio tentado no Catumbi, no Centro do Rio. Ao menos 40 disparos atingiram o carro, quatro deles feriram Luiz Henrique, que foi levado para o Hospital Souza Aguiar. O pai dele admitiu envolvimento com a contravenção e afirmou que era o alvo do ataque. Ele também trabalha para o bicheiro Bernardo Bello.

A Polícia Civil investiga se uma disputa pelo controle de mais de 40 pontos do jogo do bicho, envolvendo contraventores da Zona Norte e integrantes da máfia do cigarro contrabandeado de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, pode estar por trás do caso.

Carro teve quase 40 perfurações produzidas por tiros de fuzil — Foto: Reprodução

  • Fernando Marcos Ferreira Ribeiro

Morto no dia 6 deste mês, Fernando foi abordado por criminosos na Rua Caruso, na Tijuca, Zona Norte do Rio. Ele estava na porta de casa quando foi baleado e morto. A vítima, de 41 anos, possuía quatro anotações criminais por jogo de azar. O caso é investigado pela Delegacia de Homicídios da Capital (DHC). Em um dos processos respondidos por Fernando, o seu advogado é o mesmo que já foi responsável pela defesa de Bernardo Bello, Thiago Santoro.

  • Dois baleados no Andaraí

No dia 14, dois homens foram baleados na Rua Barão de Mesquita, atingidos por disparos de homens que chegaram num carro. Um dos baleados é um policial militar, que não teve a identidade revelada. As vítimas seguem internadas em unidades de saúde. O caso é investigado como tentativa de homicídio. A área do Andaraí pertence à família Garcia, de Waldemir Paes Garcia, o Maninho, atualmente sob exploração de Bernardo. O contraventor foi casado com uma das filhas de Maninho, Tamara Garcia.

  • Dois baleados em Vila Isabel

No sábado, dia 15, outros dois homens foram baleados no interior de um bar. Segundo as investigações, homens armados desembarcaram de um carro e dispararam contra o estabelecimento, que oferece jogos em máquinas caça-níqueis. As vítimas também seguem internadas em unidades de saúde, e o caso é investigado como tentativa de homicídio. Assim como o Andaraí, Vila Isabel também é área que “pertence” à família Garcia e explorada por Bernardo.

  • Marco Antônio Figueiredo Martins

O miliciano, conhecido como Marquinhos Catiri, foi morto no dia 19 de novembro de 2022, em Del Castilho, na Zona Norte do Rio. A Delegacia de Homicídios da Capital, encarregada de investigar o caso, tinha como principal linha que os assassinos de Catiri prestariam serviços como mercenários para um núcleo da contravenção ligado a máfia de cigarros contrabandeados.

De acordo com investigação do Ministério Público do Rio de Janeiro (MPRJ), Catiri seria ligado ao contraventor Bernado Bello, com que teria negócios. Num áudio gravado em maio de 2022, obtido pelo MPRJ, Catiri disse que sua cabeça estaria valendo R$ 4 milhões e que por isso precisou reforçar sua segurança.

Contraventor confesso

Luiz Cabral, de 42, pai de Luiz Henrique — motorista baleado na última sexta-feira — admitiu, em depoimento à 6ª DP (Cidade nova), que trabalha para a contravenção. Ele gerencia cerca de 45 pontos da quadrilha de Bernardo Bello, que funcionam entre os Bairros do Leblon, na Zona Sul, e o Engenho Novo, na Zona Norte, passando ainda pelo Centro, em áreas como Bairro de Fátima e Bairro da Lapa.

Segundo Cabral, ele seria o alvo do atentado e não seu filho. Cabral contou que, um dia antes do crime, recebeu um telefonema mandando deixar o negócio. Segundo ele, os responsáveis pela guerra são contraventores que querem formar uma “nova cúpula” do jogo do bicho. Cabral apontou os nomes do bicheiro Rogério Andrade, que explora áreas que pertencem à família de Castor de Andrade; Adilson Coutinho Oliveira Filho, o Adilsinho, responsável por explorar metade dos pontos de jogo do bicho no município de Duque de Caxias; e Vinicius Drummond, um dos cinco filhos do antigo “capo” da contravenção Luiz Pacheco Drummond, o Luizinho, que faleceu em 2020.

O advogado de Vinicius, Max Marques, nega qualquer ligação do cliente com a contravenção e afirma que tomará as providências contra Cabral após ter acesso à investigação. O advogado de Bernardo não respondeu ao questionamento feito pela reportagem. Já a defesa de Adilson afirma que as alegações de Cabral são totalmente improcedentes e nega qualquer envolvimento com o jogo do bicho e atos de violência relatados.

— Meu filho é motorista e não trabalha com contravenção. Mas, às vezes me leva de um lado para o outro. Na sexta-feira, ele estava vindo me pegar, em Vila Isabel, quando um Creta preto emparelhou com o carro dele e o fechou. Dois homens armados de fuzis desceram e atiraram nele. Ele levou quatro tiros e sobreviveu por milagre. Eles acharam que eu estava naquele carro. Um dia antes houve um telefonema onde me ameaçaram. Disseram que não era para mexer mais em nada e que agora seria tudo com eles. Tenho medo de morrer. Estou me sentindo ameaçado, estou com minha vida em risco. A do meu filho está em risco também. O carro dele levou de 30 a 40 tiros — disse.

Procuradas, as defesas de Rogério de Andrade e de Adilsinho ainda não se manifestaram.

Fonte: Extra.

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