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Vidente Rosa Stanesco, acusada de golpe contra viúva de marchand, adotou criança sem passar por fila de Juizado

O processo de adoção de um bebê por Rosa Stanesco Nicolau, iniciado em 2017, tem uma sequência de fatos de difícil compreensão. Entre as regras para se adotar uma criança, o pretendente precisa entrar numa fila de espera e não pode ter antecedentes criminais. Segundo três processos vinculados ao nome da vidente Rosa, conhecida como Mãe Valéria de Oxossi, na 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital, ela se habilitou à adoção do menino, que foi efetivada, em descumprimento à legislação.

Rosa e a mulher Sabine Coll Boghici, com quem se casou no fim do ano passado, são rés pelos crimes de sequestro, cárcere privado, extorsão, estelionato e roubo contra a mãe de Sabine, de 83 anos, viúva do marchand Jean Boghici. Elas ainda respondem por formação de quadrilha com mais quatro réus. No entanto, só Rosa continua presa, por ter uma extensa folha de antecedentes criminais, embora sua defesa sustente que ela foi absolvida ou a punibilidade foi extinta, por meio de duas transações penais. Nesta situação, o acusado em crimes cuja pena máxima prevista seja inferior a dois anos tem direito a negociar com o Ministério Público, que haja a suspensão do processo, cabendo ao autor o pagamento de uma multa ou uma pena alternativa.

Para tentar soltar Rosa, os advogados ingressaram no Supremo Tribunal Federal (STF) com habeas corpus em favor da acusada, argumentando que ela precisa cuidar de filho menor de 12 anos, que requer cuidados especiais. O menino adotado pela ré é autista e conta hoje com sete anos.

Sabine Coll Boghici é filha do marchand Jean Boghici, falecido no Rio em 2015, e de Geneviève Rose Marie Coll Boghici — Foto: Reprodução
Sabine Coll Boghici é filha do marchand Jean Boghici, falecido no Rio em 2015, e de Geneviève Rose Marie Coll Boghici — Foto: Reprodução

Entenda o processo de adoção

O menino nasceu em 2016 no Hospital Municipal Miguel Couto, com a mãe biológica dando o nome de outra mulher, cujo nome inclusive saiu impresso na primeira certidão de nascimento do recém-nascido. Rosa contou à 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso que passou a cuidar do bebê porque a mãe lhe entregou o bebê. Ela teria lhe dito, que não queria ficar com a criança. No entanto, há contradições no processo de adoção. Num momento, a mãe da criança disse que trabalhava na casa da vidente, em Ipanema. Em documento anexado aos autos pelo advogado de Rosa, sua cliente informou que a suposta empregada nunca fez serviços domésticos para ela, mas que trabalharia numa barraca de frutas em Copacabana, na Zona Sul.

Diante de tal confusão, o Ministério Público chegou a indeferir a guarda provisória do garoto em favor de Rosa: “Indefiro o pedido de guarda provisória da criança (…) considerando toda a situação fática narrada nos presentes autos bem como em seu apenso, não restando esclarecido em quais condições a referida criança passou aos cuidados fáticos da requerente (Rosa). Não há entendimento acerca do fato de a criança ter-lhe sido entregue em uma situação de feira de rua, de trabalhos domésticos ou qualquer outra. Os nomes fornecidos são confusos, e há notícias de possível fraude e crime praticados na maternidade não apenas pela genitora biológica da criança, mas também pela requerente, de forma a evidenciar a possibilidade de risco à criança em permanecendo sob sua guarda fática e legal”.

Mesmo com a promotoria opinando em contrário, o processo de adoção prosseguiu na Justiça. Em 2017, Rosa ainda respondia a uma extorsão na 25ª Vara Criminal, fator que a tornava inapta a se habilitar a uma adoção. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) lista uma série de requisitos instruindo o processo de adoção, entre eles, uma certidão de que o pretendente não tenha antecedentes criminais.

Durante o trâmite do processo, o Juízo da 1ª Vara da Infância, da Adolescência e do Idoso determinou que o menino fosse registrado no nome da mãe biológica, a vendedora de frutas, cuja confirmação veio por meio de exame de DNA. Os advogados de Rosa pediram a destituição do poder familiar dos pais do garoto, ou seja, que a cliente deles passasse a assumir as responsabilidades como mãe da criança, sem a interferência em definitivo da família biológica.

Em maio do ano passado, a juíza-auxiliar Claudia Leonor Jourdan determinou que um novo registro fosse lavrado, tendo Rosa como mãe do garoto. A magistrada se baseou em Relatório de Estudo Social e Psicológico, que comprovava que a criança estava bem adaptada à nova família, uma vez que passou a morar na casa da vidente desde o terceiro dia de vida. Além do menino, Rosa tem mais quatro filhos biológicos. Em junho de 2022, a certidão de nascimento dele mantinha os dois primeiros nomes, mas ganhava o sobrenome de Rosa.

Com a prisão de Rosa, em agosto do ano passado, ou seja, dois meses após a criança ter ganhado sua terceira certidão de nascimento, psicóloga e assistente social da 1ª Vara da Infância, do Adolescente e do Idoso da Capital submeteu o menino a uma nova avaliação. O estudo produzido em 16 de dezembro do ano passado tinha como objetivo analisar a situação da criança, recém-adotada, diante da prisão de Rosa:

“Este documento foi elaborado em cumprimento à determinação judicial (…), e versa sobre a atualização dos estudos técnicos em função das mudanças conjunturais que envolvem (…), diante da notícia da prisão da adotante e de outros membros da família, ocorrida e agosto deste ano”.

Na entrevista, Catarina, filha de Rosa, explica que deixou os estudos para se dedicar ao menino. Mesmo assim, até a data do relatório, ele não foi mais à escola e às sessões com psicóloga e fonoaudióloga. Até atividades para o seu desenvolvimento, como hipismo, uma vez que a família possui cavalo, e natação, a criança não estava mais frequentando. A equipe da 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso da Capital concluiu que ele deveria retomar à rotina e aos esportes.

Procurada pelo GLOBO, a assessoria de imprensa do Tribunal de Justiça do Rio respondeu que a 1ª Vara da Infância, da Juventude e do Idoso não pode dar esclarecimentos sobre casos sigilosos por envolver menores. Da mesma forma, a 3ª Promotoria de Justiça da Infância e da Juventude da Capital, Núcleo Zona Sul, informou que está acompanhando o caso desde o início, mas os processos correm em sigilo de justiça, razão pela qual não serem prestadas tais informações.

Casamento de Rosa e Sabine

No fim do ano passado, Rosa e Sabine se casaram, fazendo com que a primeira ganhasse o sobrenome Boghici. A mãe de Sabine e sogra de Rosa acusa as duas de sequestrá-la e mantê-la em cárcere privado, além da prática de extorsões e roubos. Mãe e filha travam uma batalha judicial pela herança deixada pelo colecionador, o romeno Jean Boghici, pai de Sabine, morto há oito anos.

O advogado de Rosa, Jorge Vacite, confirmou ao GLOBO o casamento delas, informando que o regime é por comunhão total de bens. Sabine foi solta 15 de março, mas sua mulher continua no Instituto Penal Santo Expedito, no Complexo de Bangu. Quando foram presas, Rosa e Sabine, embora mantivessem um relacionamento amoroso, o registro de ocorrência informava que o estado civil delas era de solteiras.

Desde março, os advogados que entraram no caso em defesa de Rosa, na tentativa de conseguir um habeas corpus favorável a ré, passaram a adotar o nome dela de casada: Rosa Stanesco Nicolau Boghici. Eles alegam que a situação dela é semelhante ao de Sabine, por serem processadas pelo mesmo crime, além de associação criminosa. No entanto, Mãe Valéria de Oxossi, como Rosa é conhecida por atuar como vidente, possui uma folha de antecedentes criminais com 10 anotações, enquanto Sabine é ré primária.

Segundo Vacite, sua cliente foi absolvida em praticamente todos e, em dois deles, houve transação penal, quando o acusado faz um acordo com o Ministério Público, na qual se paga uma multa ou é sujeito a uma pena de restrição de direitos — uma prestação de serviços à comunidade, por exemplo — em troca da extinção da punibilidade.

— Temos uma banca de advogados nesse caso. Apenas a Rosa está presa. Agora aguardamos a decisão das instâncias superiores — explica Vacite, que atua ainda no processo que tramita na 23ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça da Capital.

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Investigações do caso

Tudo começou com a viúva de Jean Boghici, um dos mais importantes marchands de arte do Brasil, registrando o caso Delegacia Especial de Atendimento à Pessoa da Terceira Idade (Deapti), em meados do ano passado. A vítima acusou a filha de mantê-la em cárcere privado, de janeiro de 2020 a abril de 2021. Segundo a mãe de Sabine, a filha e um grupo de videntes extorquiam dinheiro dela em troca de “tratamento espiritual”. A vidente era Rosa, Mãe Valéria de Oxossi, agora, nora da viúva do marchand.

O marchand Jean Boghici, em 2012 — Foto: Pablo Jacob/Agência O Globo

A polícia deflagrou a Operação Sol Poente, batizada com o nome do quadro da pintora Tarsila do Amaral, recuperado durante a ação que culminou na prisão das duas acusadas e mais quatro integrantes da família de Rosa. Na época, a Deapti calculou que Sabine desviou com os cúmplices R$ 724 milhões da mãe dela nos últimos três anos, principalmente em obras de arte de pintores famosos como Tarsila, Di Cavalcanti, Alberto Guignard, Antônio Dias e Rubens Gerchman, além de joias. Segundo os investigadores, cerca de 20% das pinturas roubadas foram apreendidas na operação.

Em dezembro do ano passado, a juíza interina da 23ª Vara Criminal, Simone de Farias Ferraz, revogou as prisões preventivas dos réus Jacqueline Stanesco, Diana Rosa Aparecida Stanesco Vuletic, Slavko Vuletic e Gabriel Nicolau Translavina Hafliger.

Fonte: Extra.

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