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Médica agredida por pai e filha em hospital do Rio: ‘Não podemos deixar que a falta de educação e a violência nos tirem de nossa vocação’

 Sandra Lúcia: médica estava sozinha com 60 pacientes no hospital quando foi agredida. Foto: Reprodução 

Única médica no plantão da madrugada de anteontem no Hospital municipal Francisco da Silva Telles (HMFST), em Irajá, na Zona Norte do Rio, Sandra Lúcia Bouyer Rodrigues — responsável por cuidar dos 60 pacientes que estavam na unidade — foi agredida a socos e pontapés por um homem que procurou a unidade de saúde por causa de um corte no dedo. Enquanto a profissional era atacada, Arlene Marques da Silva, de 82 anos, considerada uma paciente grave que estava internada na sala vermelha, passou mal e morreu.

— Eu só queria que aquelas pessoas fossem embora dali o mais rápido possível, para garantir a integridade dos pacientes. Infelizmente, a insegurança é uma rotina para nós. Agressões verbais já passei por milhares, mas uma agressão física, ainda mais com esse tipo de raiva, de ódio, foi a primeira vez — contou Sandra Lúcia, de 52 anos.

Cinco crimes

André Luiz do Nascimento Soares, de 46 anos, e sua filha Samara Kiffini do Nascimento Soares, de 23, foram presos em flagrante. Antes de a médica ser agredida, os dois invadiram a área de pacientes graves, quebraram vidros, cadeiras e deixaram um rastro de destruição por onde passaram. Eles foram autuados por homicídio doloso, lesão corporal, dano ao patrimônio e desacato. Samara também foi acusada de coação por ameaçar a médica de morte. A Justiça decide hoje se pai e filha vão continuar presos. O advogado Cláudio Rodrigues, que defende os acusados, disse que autuar por homicídio é “forçoso demais”.

Ele já veio com a intenção de me agredir, mas não esperava que eu ia encará-lo. Acho que por isso não me bateu mais. Consegui desviar do primeiro soco, mas não do segundo. Caí no chão e ainda levei um chute. Na hora eu pensei em tentar ficar o mais íntegra possível, mas é difícil raciocinar em meio a uma situação como esta

Sandra Lúcia contou que o homem estava descontrolado. Sem alternativa, a médica disse que tentou se defender como podia:

— Ele já veio com a intenção de me agredir, mas não esperava que eu ia encará-lo. Acho que por isso não me bateu mais. Consegui desviar do primeiro soco, mas não do segundo. Caí no chão e ainda levei um chute. Na hora eu pensei em tentar ficar o mais íntegra possível, mas é difícil raciocinar em meio a uma situação como esta.

De acordo com a Secretaria municipal de Saúde (SMS), na hora das agressões havia quatro vigilantes desarmados na unidade, mas eles não foram capazes de impedir nem as agressões, nem o vandalismo perpetrado pela dupla enfurecida.

— Tínhamos quatro profissionais de controle de acesso, mas o paciente dizia que estava armado e, neste caso, nossos vigilantes não conseguem impedir, não temos vigilantes armados — explicou Daniel Soranz, secretário municipal de Saúde.

O que se tem hoje não são seguranças, nem vigilantes treinados. São o que eles chamam de controladores de fluxo, pessoas que não estão preparadas para lidar com situações de violência, o que põe em risco tanto os profissionais quanto os pacientes

— Paulo Pinheiro, presidente da Comissão de Saúde da Câmara

Segundo o vereador Paulo Pinheiro (PSOL), presidente da Comissão de Saúde da Câmara, a falta de segurança é regra nos hospitais públicos na cidade:

— O que se tem hoje não são seguranças, nem vigilantes treinados. São o que eles chamam de controladores de fluxo, pessoas que não estão preparadas para lidar com situações de violência, o que põe em risco tanto os profissionais quanto os pacientes.

Como se não bastasse a vulnerabilidade do hospital, o caso de violência chamou a atenção para o fato de haver apenas uma médica de plantão na unidade, que tem 91 leitos — 57 estavam ocupados ontem de manhã — e emergência 24 horas, com média mensal de 4,5 mil atendimentos.

— No plantão deste fim de semana, deveríamos ter dois médicos, mas um deles teve um problema de saúde. O certo é substituir esse médico, mas como tudo ocorreu em cima da hora, não foi possível. Reforçamos com o diretor da unidade que não pode ter esse desequilíbrio — disse Soranz.

Total de 154 médicos

A SMS informou que, “nos setores de internação, há médicos de rotina das 8h às 18h”. Na emergência, são quatro durante o dia e dois à noite. No total, o hospital de Irajá tem 154 médicos, sendo 55 na emergência clínica.

— Não pode uma médica ficar sozinha para atender 40 pacientes e mais 20 gravíssimos. O normal, numa unidade deste tamanho, seria termos pelo menos cinco médicos de plantão. Talvez, se essa regra fosse seguida, essa situação toda fosse evitada — criticou Paulo Pinheiro.

Em nota, o Conselho Regional de Medicina do Rio (Cremerj) repudiou a agressão sofrida pela médica e manifestou solidariedade a “todos os profissionais da saúde que viveram momentos de terror em seu ambiente de trabalho”. Só no ano passado, 80 foram agredidos em todo o Estado do Rio, segundo dados do Instituto de Segurança Pública (ISP).

Enquanto isso, parentes de Arlene mostraram indignação com a morte da idosa.

— Só quero justiça — lamentou Elaine Marques, de 52 anos, filha de Arlene. — Por causa de um cortezinho no dedo dele, leva a vida da minha mãe?

O delegado Geovan Omena, da 27ª DP (Vicente de Carvalho), responsável pela investigação, disse que a médica foi covardemente agredida:

— Fiquei indignado com o ocorrido porque é uma coisa desproporcional. Nada justifica a agressão. Ele tinha um corte no dedo. Um band-aid resolvia o caso dele a noite toda.

Ainda se recuperando do trauma do último plantão, Sandra Lúcia se prepara para outra batalha: voltar a trabalhar no hospital onde tudo aconteceu.

— Vou voltar, sim. Não esta semana, mas vou voltar. Se eu disser que não estou com medo é mentira, mas a gente não pode deixar que a falta de educação e a violência nos tirem da nossa vocação — ensina.

Fonte: Extra.

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