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Internet controlada por facções dificulta instalação de câmeras em fardas de PMs das UPPs do Rio

Policial militar de UPP usa câmera acoplada na farda durante patrulhamento no Pavão-Pavãozinho e no Cantagalo, onde o sinal de internet é distribuído pelo tráfico: solução foi usar chip 4G — Foto: Gabriel de Paiva

Determinada pelo Supremo Tribunal Federal (STF), a instalação de câmeras nos uniformes dos policiais do Rio está esbarrando na realidade das favelas fluminenses: como a distribuição do sinal de internet é controlada por traficantes e milicianos nesses territórios, as autoridades estão buscando soluções tecnológicas para conseguir conectividade e, assim, manter o sistema em funcionamento. O obstáculo foi verificado nos morros do Pavão-Pavãozinho e do Cantagalo, em Copacabana e Ipanema, na Zona Sul, que conta uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP) desde 2009, e no Jacarezinho, na Zona Norte, onde o programa está desde 2013. O planejamento do governo prevê ter, até dezembro, as equipes de todas as 29 unidades no estado portando o dispositivo, que transmitirá as imagens em tempo real para o Centro Integrado de Controle e Comando (CICC).

À frente dos projetos de modernização tecnológica da Secretaria de Estado de Polícia Militar, o subsecretário do CICC, coronel Rodrigo Laviola, disse que, para vencer o obstáculo, os policiais que atuam no Pavão-Pavãozinho e Cantagalo e no Jacarezinho precisaram, inicialmente, recorrer a chips 3G e 4G. As duas UPPs são as primeiras a adotar as câmeras nos uniformes.

— É tudo muito novo, e os desafios são muitos. A dificuldade maior é a transmissão das imagens captadas pelas câmeras para a nuvem, onde os vídeos ficam armazenados. Isso só ocorre com uma rede de internet rápida, de qualidade e confiável. Daí, a empresa (que venceu a licitação para prestar o serviço) precisou arrumar uma solução. Não podíamos pagar por uma internet ilegal — ressaltou Laviola, que apresentou o problema ao STF, por conta da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 635, ação judicial que visa à redução da letalidade policial nas favelas.

Sem operadoras legais

Na maioria das favelas, nenhuma empresa de internet tem autorização para fornecer o serviço. O sinal é clandestino e distribuído pelos bandidos. Rafael Grande, diretor da Vertical Segurança Eletrônica e Data Center, da L8 Group (responsável pela instalação do sistema de câmeras corporais), explicou que, apesar de o grupo ter 34 operadoras conveniadas no projeto, nenhuma disponibiliza o serviço nas duas comunidades.

— As imagens precisam subir da base (instalada numa sala) dezenas e dezenas de vídeos de um grande número de câmeras, que precisam ir, por meio de uma rede de internet, para a nuvem. O Rio tem um problema crônico de conectividade. Nossa prioridade é instalar fibra ótica nessas bases, onde ficam as câmeras, para não ter dificuldade na transmissão. Quando a gente não consegue, o jeito é usar a internet via satélite e trabalhar com o sistema 4G. É o caso das UPPs. Os chips são colocados de acordo com o melhor sinal da operadora para cada região. São estratégias que adotamos — explicou Grande.

O painel onde ficam os celulares para ser feita a transmissão das imagens para a nuvem — Foto: Gabriel de Paiva

Segundo o empresário, inicialmente, nenhuma operadora se dispôs a entregar o serviço nas UPPs:

— Tivemos muita dificuldade no Pavão-Pavãozinho e no Jacarezinho. Só agora conseguimos instalar fibra ótica. Você não vai botar a internet do tráfico numa unidade da PM. A nossa política é de atuar na legalidade.

Os problemas não se restringiram às UPPs. Em quartéis da PM que são tombados pelo patrimônio histórico e nos postos do Comando de Polícia Rodoviário (CPRV) em estradas, também é difícil equipar a base — onde as câmeras são colocadas após o uso para ser feita a transmissão das imagens. Hoje já são 170. Além das UPPs, até dezembro, os batalhões de Operações Especiais (Bope) e de Policiamento de Choque (BPChoque) deverão estar com suas equipes usando as câmeras.

Vencida a barreira da conectividade, surge um outro obstáculo. No mês passado, a Defensoria Pública do Rio divulgou um relatório, entregue ao STF, no qual apontou o mau uso do equipamento pela tropa e a falta de transparência no envio das imagens para investigações. De acordo com o órgão, há casos de PMs que retiram o equipamento do uniforme e o colocam no porta-luvas da viatura. Outro subterfúgio é simplesmente tampar a lente da câmera.

Imagens apagadas

O levantamento da Defensoria tomou por base 90 requisições feitas à PM, de 27 de abril a 31 de julho. Deste total, 51 não foram respondidas. Em apenas três, apareciam a abordagem policial e a prisão do suspeito. A maioria foi apagada, por ter se esgotado o prazo de 60 dias para armazenagem das imagens, embora fosse o registro de um crime. Neste caso, já existe uma orientação da PM para o policial apertar um botão — chamado de modo ocorrência —, quando estiver envolvido em um caso que resulte em investigação. Assim, o vídeo fica guardado, no mínimo, por um ano.

Em 30 de agosto, o secretário estadual de Polícia Militar, coronel Luiz Henrique Marinho Pires, reeditou uma resolução que reforça a ordem de acionar o modo ocorrência. A novidade é que o serviço 190 irá avisar o PM para apertar o botão.

— O policial não pode se esquecer dessa regra de ouro: apertar o botão, em caso de ocorrência. O uso adequado das câmeras é uma garantia para eles próprios de que agem corretamente — disse o secretário, ressaltando que a meta é fechar o ano com 13.500 câmeras.

Foram 42 punições

De julho de 2022 a agosto deste ano, a Corregedoria-Geral da PM recebeu 940 requisições de imagens de delegacias, do Ministério Público, do Tribunal de Justiça e da Defensoria Pública. Já para apurar supostas falhas cometidas por policiais foram instaurados 470 Documentos de Razão de Defesa (DRDs): 286 aguardam solução; a defesa foi aceita em 142; e ocorreram punições em 42.

— Nos casos mais graves, são instaurados inquéritos policiais militares. Se for constatada falta grave, o policial pode ser excluído — disse o corregedor-geral da PM, coronel Márcio César Monteiro.

Para o titular da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), Alexandre Herdy, as imagens feitas pelos policiais “contribuem decisivamente nas investigações”:

— Temos recebido as imagens da corregedoria de imediato. Não é um cineminha. Então, precisamos de provas complementares.

Das três requisições que pediu, a juíza da 3ª Vara Criminal de Niterói, Nearis Arce, recebeu só um vídeo:

— Tive dificuldades de ter acesso às imagens. Com o passar do tempo, acredito que o sistema se automatize, pois elas demoram para chegar e, quando vêm, a resposta é de que elas foram apagadas — disse Nearis.

O juiz da 1ª Vara Criminal de Itaboraí, Daniel Fonseca, destacou que, numa apreensão de drogas, as imagens ajudaram a elucidar o caso.

— O réu afirmou que o policial havia forjado um flagrante de drogas, quando as imagens comprovaram o contrário. Pelo que tenho visto, a câmera vai mostrar não que o PM seja bandido, mas que ele é despreparado — opinou o juiz.

Para o Ministério Público, as câmeras também são um importante avanço:

— A PM vem se esforçando, mas fica claro que o volume de informações e as demandas têm sido grandes. Precisam de tempo para se adequar — avaliou Paulo Roberto Mello Cunha Júnior, promotor junto à Auditoria Militar.

Fonte: EXTRA

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