O remédio mais caro do mundo, o Zolgensma, fabricato pela Novartis, é exemplo de terapias avançadas sendo adotados para o tratamento de doenças no Brasil — Foto: Divulgação/Novartis
A indústria farmacêutica estuda um caminho — podendo chegar à Justiça — para questionar as regras divulgadas pela Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para avaliação de produtos de terapias avançadas a serem incluídos na lista (rol) de coberturas obrigatórias dos planos de saúde.
Essas terapias avançadas são produtos biológicos elaborados a partir de células de tecidos humanos e ácidos nucleicos recombinantes — aqueles que trazem moléculas de DNA ou RNA manipuladas em laboratório para combinar material genético de fontes diferentes.
São, em grande parte, medicamentos utilizados para tratar condições raras e também alguns tipos de câncer. É o caso do Zolgensma, o remédio mais caro do mundo, por exemplo, produzido pela Novartis, empregado no tratamento de bebês diagnosticados com atrofia muscular espinhal (AME) do tipo 1.
A doença degenerativa e hereditária impacta os neurônios motores, responsáveis por funções como respiração, deglutição e movimento.
— A ANS não está tratando como medicamento, o que de fato são. E isso não foi debatido com a indústria ou a sociedade. Outra coisa é que terapias medicamentosas injetáveis e de uso hospitalar não passam por essa avaliação da agência. É uma barreira — argumenta Nelson Mussolini, presidente do Sindusfarma, entidade que reúne as farmacêuticas.
Avaliação regular
A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), responsável pela aprovação de novos medicamentos no país, classificou esses produtos como de terapia avançada, sendo medicamentos especiais.
Com isso, por terem uma natureza “complexa e inovadora”, a ANS avaliou ser “inadequado prescindir das etapas de avaliação técnica e de participação social” (com consulta ou audiência pública) utilizadas regularmente em processos de incorporação de novas tecnologias à cobertura dos planos de saúde.
— A avaliação técnica, que verifica fatores relativos a eficácia, segurança, disponibilidade na rede de atendimento e custo, é regra. A exceção é aquilo que é aprovado pela Conitec (que avalia a incorporação de tecnologias ao SUS), que é incorporado à saúde suplementar em 60 dias. Se recorrer, o Sindusfarma vai perder — explica Maria Stella Gregori, diretora do Instituto Brasileiro de Política e Direito do Consumidor (Brasilcon) e ex-diretora da ANS.
Ela reforça que esse custo não põe em xeque a saúde financeira das operadoras de saúde. Ainda que os gastos tenham subido e as margens dessas empresas estejam mais apertadas, Maria Stella frisa que é importante que os planos de saúde evoluam em questões administrativas e adotem programas de promoção de saúde e prevenção de doenças de forma eficiente para terem controle de sua operação e despesa.
Para Cassio Ide Alves, superintendente médico da Abramge, que reúne grandes operadoras de saúde no país, a medida da agência não constitui uma barreira aos medicamentos:
— Não é barreira. A ANS tomou uma medida correta, em linha com o que fez a Anvisa ao criar uma categoria diferenciada, de produto de terapia avançada — diz ele. — Não se está combatendo a tecnologia que é espetacular. Mas ela não pode entrar só pelo viés tecnológico e comercial. Tem de ter avaliação, rede disponível e acesso.
Embate sobre preços
Maria Stella afirma que a ANS não tem o papel de vigiar os preços dos medicamentos, reconhecendo que muitos custam mais caro no Brasil do que em outros países:
— A agência tem de ver se as operadoras suportam o custo. Essas empresas visam o lucro, mas o importante é garantir que o consumidor tenha acesso a um serviço (em assistência médica) de qualidade.
O preço desses medicamentos e novas tecnologias, aponta Ana Carolina Navarrete, à frente do Programa de Saúde do Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), é central nesse debate.
— A indústria não justifica seus altos preços. Preço é diferente de custo. Existe a ilusão de que o mercado se autorregula. Mas a saúde privada acaba não sendo eficiente em acessar e distribuir saúde como se espera. E ela provoca a ANS por redução de preços. Nessa briga de gigantes, o consumidor sai perdendo — diz ela, destacando haver ainda riscos e custos relativos à judicialização.
No Brasil, a Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (Cmed), vinculada à Anvisa, publica a tabela com o preço máximo dos medicamentos registrados no país.
A saúde suplementar questiona o preço com desconto oferecido ao SUS, enquanto os planos pagam o preço cheio.
— O Zolgensma (da Novartis) sai a cerca de R$ 4,5 milhões a dose inicial para o SUS, com pagamento parcelado anual e condicionado à resultado. Na saúde suplementar, sai a R$ 10 milhões, sem condicionantes —destaca Alves, da Abramge.
Possíveis soluções
Mussolini, do Sindusfarma, explica tratar-se de uma questão de mercado:
— Os preços são diferentes porque o SUS compra um número muito maior, olhando para 160 milhões de brasileiros. É uma questão de mercado. E ainda há o preço para casos de judicialização. Mas as farmacêuticas negociam. Com escala, os preços podem cair.
Ana Carolina, do Idec, reforça que o setor precisa unir esforços e voltar as atenções para o debate sobre custos de medicamentos. Ela destaca que o projeto de lei 5.591/2020, que está em discussão, propõe a criação de critérios para definir o preço de entrada de novos medicamentos no mercado e a criação de um órgão na Cmed voltado para essa regulação.
— As soluções estão na mesa. As operadoras também poderiam fazer compras conjuntas. Mas é preciso debater, entender o custo, saber se o preço é justo. Ou a discussão será infrutífera, usando o consumidor, de um lado, para justificar o preço alto e, de outro, a negativa de cobertura — diz ela.
Procurada, a ANS não respondeu até a publicação desta reportagem.
Fonte: EXTRA