Heloisa dos Santos Silva tinha três anos de idade — Foto: Arquivo pessoal
O corpo da menina Heloísa dos Santos Silva — atingida por um tiro na cabeça em uma abordagem da Polícia Rodoviária Federal e morta neste sábado, após nove dias internada — já está no Instituto Médico Legal (IML) em Duque de Caxias. Na manhã deste domingo, a tia Danielle da Silva aguarda para fazer o reconhecimento e tomar as medidas necessárias ao sepultamento. Segundo ela, mãe e pai da vítima seguem em choque pelo ocorrido.
— Não tem como ser diferente. Seria muito difícil com uma vítima de qualquer idade, mas sobretudo sendo criança. Era uma criança encantadora. Por onde passava, alegrava e conquistava. E num feriado, dia que era pra ser de alegria, em que foram visitar a vó materna, isso aconteceu — lembrou.
ESTATÍSTICA
A morte da menina Heloísa dos Santos Silva, de 3 anos, ocorrida neste sábado após ficar internada no Hospital municipalizado Adão Pereira Nunes, em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, aumentou uma triste estatística: ela foi a 11ª criança que morreu vítima de tiro somente este ano no Rio, a maioria por bala perdida. Heloísa foi atingida por um disparo feito por um agente da Polícia Rodoviária Federal (PRF) durante uma abordagem ao carro onde ela estava com os pais, a irmã e uma tia.
Esse número é quase três vezes maior do que o de todo o ano passado, que registrou quatro casos. Fundador da ONG Rio de Paz, que, desde 2007, acompanha os casos de crianças mortas por armas de fogo em operações policiais nas favelas do estado, Antonio Carlos Costa diz que esta “é uma estatística obscena”.
Para Antonio Carlos, “o gatilho da arma usada na morte da menina Heloisa foi apertado não apenas pelo dedo do policial”. O fundador da Rio de Paz enumera fatores que, para ele, contribuem para o que classifica como “o que há de mais hediondo na criminalidade do Rio de Janeiro: a morte de meninos e meninas em tiroteio”:
– O despreparo do policial; a falta de supervisão, já que quem está acima jamais é responsabilizado pelos crimes de quem está na ponta; a impunidade, uma vez que raramente esses policiais são punidos; a cultura policial brasileira, que conduz o policial a perseguir e matar o bandido em completa desconsideração pela vida de cidadãos inocentes. Além do estímulo dado pela própria sociedade, que celebra a guerra e ignora o drama das famílias das vítimas, e que vota em candidato que apresenta como promessa de campanha o uso indiscriminado e irracional da força sem a mínima preocupação quanto à observância de protocolos de operações policiais.
Veja quem são as outras vítimas
Juan Davi de Souza Faria, 11 anos
Era revéillon, a família de Juan comemorava a entrada de 2023 em uma festa com música e alegria, em Mesquita, na Baixada Fluminense. O menino, de 11 anos, assistia, segundo seus parentes, a queima de fogos no quintal de casa quando foi atingido por um disparo na cabeça. Ele foi levado até a UPA de Edson Passos, porém, não resistiu aos ferimentos e morreu.
Rafaelly da Rocha Vieira, 10 anos
Na noite de 26 de janeiro, Rafaelly da Rocha Vieira, de 10 anos, brincava com outras crianças na porta de sua casa, em São João de Meriti, na Baixada Fluminense. Após homens encapuzados passarem atirando na esquina próxima à Rua Doutor Monteiro de Barros com Avenida Getúlio de Moura, a menina foi atingida por um dos disparos.
— Ela estava no portão da casa dela brincando com uma amiguinha. Uma sobrinha minha disse que ela correu assustada com os tiros. Se tivesse ficado atrás do carro, teria sobrevivido — lamentou a madrinha de Rafaelly, Elza Alaíde, na ocasião.
Rafaelly chegou a ser socorrida, mas não resistiu. Segundo a família, ela tinha completado dez anos seis dias antes e teria uma uma festa de aniversário.
Maria Eduarda Carvalho Martins, 9 anos
Era um bloco de carnaval, no dia 19 de fevereiro, na Praia do Anil, em Magé, na Baixada Fluminense. A menina Maria Eduarda Carvalho Martins, de apenas 9 anos, foi atingida por um tiro durante uma briga entre um policial civil e um bandido. No tiroteio, uma mulher também foi morta e 16 pessoas ficaram feridas.
Ester de Assis Oliveira, 9 anos
Ester voltava da escola quando foi atingida por uma bala perdida, no dia 5 de abril, em Madureira, na Zona Norte do Rio. Naquele momento, havia confronto entre traficantes das comunidades da região, numa tentativa de invasão do Morro do Cajueiro. Ela estava com uma prima quando parou para comer um bolo que havia ganhado numa comemoração de Páscoa. Depois do doloroso adeus à filha, Thamires desabafou: “Arrancaram o meu coração”.
— Tiraram um pedaço de mim. Ela só tinha nove aninhos, tinha tudo para viver ainda. Arrancaram a vida da minha filha injustamente. Ela estava vindo da escola. Só quero justiça pelo que fizeram com a minha filha, para nenhuma mãe sentir a dor que estou sentindo hoje. Arrancaram o meu coração — lamentava a mãe de Ester, que não soltava o ursinho de pelúcia que pertencia à filha.
Jhenyfer Luz Silva de Souza, 12 anos
Jhenyfer foi morta vítima de bala perdida no dia 15 de abril, em Itatiaia, no Sul Fluminense. O caso aconteceu durante um tiroteio entre traficantes, que dispararam contra um desafeto no bairro Nova Conquista. Jhenyfer Luz Silva de Souza foi atingida nas costas e não resistiu.
Lohan Samuel Nunes Dutra, 11 anos
No dia 30 de abril, Lohan Samuel Nunes Dutra, de 11 anos, morreu após ser baleado num tiroteio no Complexo do Chapadão. Segundo familiares, ele e a irmã de criação Kailany Vitória Fernandes, de 19 anos, que também morreu, estariam no portão de casa, na localidade conhecida como Praça do Areal, quando foram atingidos por disparos.
Uma conhecida da família, que também preferiu não se identificar, disse que Lohan era uma criança “inocente, cheia de vida, de sonhos”, além de muito querido por todos na região.
Yan Gabriel Marques, 12 anos
Yan Gabriel, de 12 anos, morreu atingido no rosto por um tiro de bala perdida, num confronto ocorrido entre os dias 8 e 9 de julho, enquanto brincava, em Nova Iguaçu, Baixada Fluminense. O tiro teria sido disparado durante uma disputa por território entre grupos rivais de milicianos que atuam na região. Segundo relatos nas redes sociais, a guerra é travada por milicianos liderados por Gilson Ingrácio de Souza Junior, o Juninho Varão, e Luís Antônio da Silva Braga, o Zinho.
Após a morte de Yan, a escola de futebol na qual o adolescente jogava suspendeu as aulas por uma semana.
Dijalma de Azevedo, 11 anos
Dijalma de Azevedo, de 11 anos, morreu no dia 12 de julho, após ser baleado próximo de um condomínio na Estrada do Bosque Fundo, em Maricá, na Região Metropolitana do Rio. No momento em que foi atingido, ele usava o uniforme de escola municipal da cidade e estava a caminho da unidade de educação.
Segundo a Polícia Militar, equipes do 12º BPM (Niterói) realizavam policiamento quando foram recebidas a tiros no local. Uma viatura também foi atingida por disparos. Os agentes afirmam que, após confronto, já encontraram a vítima sem vida no chão.
Thiago Menezes Flausino, de 13 anos
O adolescente que sonhava ser jogador de futebol pilotava uma moto e passava na esquina da Estrada Marechal Miguel Salazar com Rua Geremias quando foi baleado, durante uma ação do Batalhão de Polícia de Choque (BPChq)n madrugada de 7 de agosto. Parentes afirmaram que o primeiro tiro atingiu Thiago numa das pernas, ele caiu e os demais disparos — cinco ao todo — foram feitos quando o garoto estava caído no chão.
Tio do jovem, Hamilton Bezerra Flausino falou sobre a ação policial:
— A política de confronto não é a solução. Inocentes morrem, porque é mais fácil comprar drogas do que pão.
Eloah da Silva dos Santos, de 5 anos
Após a morte de Wendel Eduardo, de 17 anos, que, segundo a Polícia Militar trocou tiros com agentes do 17º BPM (Ilha do Governador), no dia 12 de agosto, moradores realizaram um protesto nas imediações do Morro do Dendê. Na ocasião, tiros foram disparados, de acordo com relatos de testemunhas.
Eloah brincava em casa, na localidade Cova da Onça, na comunidade, quando foi baleada.
— A viatura da polícia passou mandando tiro. Foi na hora que ouvi o estalo na janela. Quando fui ver, ela (Eloá) estava caída em cima da cama. Estava sentindo muito dor. Eu tentei reanimá-la, mas não teve mais jeito — contou a mãe da menina, Ana Cláudia da Silva, de 31 anos.
Fonte: EXTRA