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Presidente da Codemar participa de roda de conversa na Flim com escritores e ‘imortal’ da ABL

Foto: Paulo Ávila

O impacto da leitura e da literatura nas periferias urbanas foi o tema de uma roda de conversas mediada pelo presidente da Companhia de Desenvolvimento de Marica (Codemar), Hamilton Lacerda, juntamente com a professora Angelica Cássia neste sábado (23).

O encontro aconteceu na Festa Literária Internacional de Maricá (Flim) e reuniu Antônio Torres (imortal da ABL), Felipe Eugênio (Periferia Brasileira de Letras), Israel Neto (Afrofuturismo) e Regina Tchelly (Favela Orgânica).

Ao apresentar a mesa de debate , Hamilton Lacerda destacou a importância de retratar um tema que abre e cria espaços para a periferia se expressar, como forma de mudança não apenas literária, mas também social.

“O meu orientador de mestrado, Celso Daniel, estava desenhando, na época do meu estudo sobre resíduos sólidos, algumas estratégias para combater a violência nas cidades do ABC Paulista. O destaque era para a necessidade de investimento na música e na literatura e que esses temas fossem estratégicos, uma política de estado”, disse Lacerda.

Antônio Torres, ocupante da cadeira que já foi de Machado de Assis na Academia Brasileira de Letras, ficou contente com o que viu em Maricá. “Alegria de escritor é ver a casa cheia”, disse à plateia lotada na Arena Gilberto Gil, montada em Itaipuaçu.

“Eu mesmo sou da periferia. Na minha cidade, no sertão baiano, não tínhamos nem livro. Mas havia uma outra literatura, a oral, a literatura de cordel”, contou o ‘imortal’.

Ele contou também que aprendeu a ler numa cartilha que falava em ‘verdes mares’, “mas no sertão onde eu morava nem rio tinha”.

“Então é preciso ter muita imaginação e, se estou aqui hoje, é pelo poder de alguma coisa produzida pela literatura”, disse Antônio Torres.

Ferramenta para a saúde

Felipe Eugênio, coordenador da PBL, lembrou que o investimento em literatura na favela acaba sendo visto como desnecessário pelos governos, expondo um equívoco histórico combatido pela Fiocruz. Felipe é, também, coordenador social da fundação, muito ligada à saúde.

“A Fiocruz vê a saúde no ‘modo amplo’, que inclui as condições de vida, de acesso a moradia de qualidade, educação e outros parâmetros. Nos estudos nas favelas, observamos que são territórios de muita resistência, mas que a literatura era o espaço que havia para produzir crítica, educar”, garantiu Felipe.

Ele explicou ainda que a Fiocruz criou uma rede envolvendo atividades de slam, saraus, grupos de rap e bibliotecas para poder se aproximar dessas populações.

A literatura ainda tem cor

O racismo foi um dos temas abordados na roda. Apesar de todos os avanços, quantos escritores brasileiros negros são de conhecimento do grande público? Foi com essa indagação que o escritor Israel Neto entrou no tema não só da pouca representatividade de escritores, mas também de personagens e histórias negras.

“Cresci nos anos 1990 vendo desenhos animados. Era o dia inteiro de desenhos, mas eu só via alguém parecido comigo em um programa, o Castelo Rá-Tim-Bum. Não tem negros nem nos desenhos. Mas eu só percebi e fiz algo pra mudar depois, quando conheci o hip hop. Foi ele que me apresentou a mim mesmo, que me disse quem eu era, jovem negro de periferia. E aí veio a falta de referências, principalmente de referências positivas”, expressou o artista, que produz textos na estética afrofuturista, de ficção científica com personagens negros.

O tema foi retomado diversas vezes, com menções a nomes de destaque na literatura nacional e que eram negros, como Machado de Assis e Carolina Maria de Jesus.

Literatura e alimentação

Nordestina que chegou ao Rio com 19 anos e teve em Maricá o seu primeiro emprego, como doméstica, a chef e escritora Regina Tchelly falou do seu caminho até o lançamento do seu projeto Favela Orgânica no Morro da Babilônia, no Leme, Zona Sul carioca, onde vive. Levantando bandeiras contra o desperdício de alimentos, ela escreveu sua experiência em livro e democratizou o acesso a ele ao escrever tudo nas paredes da comunidade.

“Eu fui para o Babilônia quando tinha 20 anos. Tive meus três filhos lá e queria um lugar melhor para eles. Isso passa por garantir alimentos, entre outras coisas. Então investi no Favela Orgânica para ensinar o aproveitamento total dos alimentos, sem desperdício. Quando quis compartilhar o que aprendi, fui escrever. Na primeira recusa de editora, peguei lata de tinta e fui escrever o que queria dizer nas paredes. E outras latas de tinta foram aparecendo. Agora o livro já está publicado. E esgotado”, orgulhou-se.

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