Ônibus lotado no Rio — Foto: Márcia Foletto/Agência O Globo
Um novo estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) mostra que, embora o transporte por aplicativo possa expandir o acesso a oportunidades de emprego — já que facilita a locomoção até trabalho —, esse ganho se limita às parcelas mais ricas da população.
A pesquisa considerou o que mais pesa na hora de escolher o transporte entre casa e trabalho: custo ou tempo de viagem. Ou seja, se o trabalhador prioriza pagar um valor mais alto no aplicativo e chegar rapidamente ao trabalho, ou economizar, mas enfrentar a demora no transporte público.
Os resultados indicam que o transporte por aplicativos facilita o acesso ao local de trabalho quando utilizado isoladamente, assim como quando usado de maneira integrada, fazendo conexão com outros modais, como para chegar a uma estação de metrô.
Mas, considerando o impacto das tarifas sobre a renda, essa facilidade se limita aos grupos mais ricos.
“Políticas públicas que busquem integrar serviços de transporte sob demanda (uso de apps de mobilidade) com sistemas de transporte público dificilmente trarão benefícios às populações de baixa renda se não forem acompanhadas de alguma forma de desconto tarifário ou subsídio capaz de aliviar suas barreiras financeiras”, afirma o estudo.
Essa alternativa, para o pesquisador Rafael Pereira, faz sentido até mesmo do ponto de vista ambiental:
— Temos que pensar que colocar linhas de ônibus regulares rodando em regiões de baixa densidade, carregando pouquíssimos passageiros, seria muito insustentável do ponto de vista ambiental. Faz mais sentido colocar veículos menores e com rotas dinâmicas, que sigam de acordo com a demanda — avalia.
Para se chegar ao que pesa na escolha do transporte (priorizar tempo de deslocamento ou custo), foram utilizados dois conjuntos de dados fornecidos pela Uber. As informações socioeconômicas e populacionais constam no Censo Demográfico de 2010, do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
A Relação Anual de Informações Sociais (Rais) de 2019 foi usada para os dados de emprego. A Rais é um levantamento do Ministério do Trabalho sobre empresas, empregados formais e servidores.
Corridas acima de R$ 15
A cidade modelo para o estudo foi o Rio de Janeiro, onde 6% da população usaram algum modo de transporte motorizado em 2018, o dobro da média nacional.
No Rio de Janeiro, os bairros de alta renda ficam mais perto do centro, lugar em que a maioria dos empregos está concentrada, o que facilita o acesso a oportunidades de trabalho, sem a necessidade de viagens longas.
Ao mesmo tempo, a parcela mais pobre dos moradores está sobretudo as regiões Norte e Oeste da cidade, em bairros mais distantes dos grandes centros, exigindo viagens mais longas e, portanto, mais caras. É assim em muitas outras capitais brasileiras.
O estudo também mostra que os benefícios das viagens por aplicativo se tornam mais evidentes a custos maiores que R$ 15, porque orçamentos menores só permitem percorrer uma distância baixa.
Pereira, do Ipea, explica que isso acontece porque uma parte do valor cobrado por cada corrida é um montante de entrada, embutido em cada viagem.
— Se você gasta R$ 6 no aplicativo, você pagou R$ 5 apenas por entrar no carro e R$ 1 pela distância. É um desembolso grande para um ganho de acessibilidade muito pequeno — afirma o pesquisador.
Já considerando uma viagem de trinta minutos e custo entre R$ 18 e R$ 24, por exemplo, a acessibilidade média por aplicativo é de cinco a sete vezes maior do que por transporte público.
Apps para ‘alimentar’ transporte público
O estudo mostra ainda como o uso de carros por aplicativos como conexão para o transporte público pode expandir o acesso ao emprego para os usuários dos modais coletivos, sobretudo linhas de trem e metrô.
O transporte por linhas de ônibus tradicionais tem uma boa capilaridade, mas muitas vezes o funcionamento desse sistema é prejudicado pelo congestionamento.
— E muita gente mora longe de modais como trens, metrô e VLT, que carregam mais passageiros, são mais eficientes e não passam por congestionamento. Essas pessoas teriam os maiores ganhos de acessibilidade ao usar o aplicativo para chegar ao metrô ou trem — diz Pereira.
O problema é que são justamente essas pessoas com maiores restrições no orçamento. Os mais ricos, em viagens de até 90 minutos e que, no mês, comprometem até 40% de sua renda com transporte, podem acessar aproximadamente 76% de todos os empregos na cidade.
Já no caso dos mais pobres, gastos com transporte de até 20% de sua renda mensal pouco resultam em maior acessibilidade. Para ter algum efeito positivo, essa parcela da população precisa gastar mais, já que precisa percorrer uma distância maior, e comprometer até 30% de sua renda no deslocamento até o trabalho.
— O custo da viagem terá um peso maior no orçamento familiar dessas pessoas. Para uma pessoa de baixa renda ter algum ganho de acessibilidade, ela precisaria fazer viagens muito mais longas e gastar muito mais dinheiro, o que não é possível — diz Pereira.
Segundo o pesquisador, existe um ganho potencial de acessibilidade para o Rio de Janeiro, sobretudo na Zona Norte e Oeste.
— Poderia haver alguma integração tarifária (dos aplicativos) com a SuperVia e o metrô, com subsídio. Sem reduzir essa barreira financeira, o benefício do transporte por aplicativo fica muito limitado. Nos Estados Unidos, várias cidades têm pilotos em parceria com aplicativos para pessoas que vivem em regiões periféricas ou com menor densidade populacional, onde não faria sentido ter uma linha de ônibus. É como se você usasse as empresas de aplicativo para alimentar o transporte público.
Fonte: EXTRA