Policiais militares na Rua Araticum, um dia após o local registrar mais uma morte — Foto: Polícia Militar / Twitter
Um rastro de assassinatos liga a Rua da Morte às execuções dos três médicos na orla da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio. Segundo a Polícia Civil, o mesmo grupo que está por trás da série de crimes que deram origem ao apelido da Rua Araticum, no Anil — onde mais de vinte pessoas foram mortas entre fevereiro e abril — foi responsável pelos casos da última quinta-feira.
Integrantes da chamada Equipe Sombra, ligada à maior facção do estado, os traficantes Philip Motta Pereira, o Lesk, Ryan Soares de Almeida e Juan Breno Malta Ramos Rodrigues, o BMW, estão entre os nomes citados no inquérito que apura o assassinato dos ortopedistas. Ex-milicianos, eles se aliaram ao tráfico para a tomada de regiões há décadas dominadas por grupos paramilitares. O acordo entre os lados aconteceu em meio a um processo de fragmentação da milícia do Rio, que teve como estopim a morte de Wellington da Silva Braga, o Ecko, durante uma operação da Polícia Civil, em 2021. Com a brecha, traficantes começaram um processo de expansão de territórios, o que acabou levando parte dos milicianos locais a se aliarem à facção.
Também conhecido como o chefe do grupo armado responsável pela tomada de regiões na Zona Oeste, Lesk tinha autonomia para a tomada de decisões. Esse poder lhe foi conferido, principalmente, por Edgar Alves de Andrade, conhecido como Doca, um dos principais chefes do tráfico de drogas do Complexo da Penha, na Zona Norte, e membro da cúpula do crime.
Com isso, Lesk figura como o mandante de casos recentes de mortes violentas, nas quais vítimas foram encontradas decapitadas na região do Anil, Gardênia Azul e Rio das Pedras. Entre os responsáveis pelas ações estariam BMW e um traficante conhecido como Juninho.
Crueldade nas ações
Suspeitos de serem informantes da milícia, Wellington Glória da Silva Barros, Severino Marcos da Silva Hermínio e Francisco Regis Silva Lopes foram assassinados num intervalo de duas semanas, entre 18 e 31 de julho. Vítimas de mortes violentas, os três tiveram seus corpos decapitados e foram encontrados, respectivamente, na Araticum, na Estrada de Jacarepaguá e na Avenida Engenheiro Souza Filho, próximo à Rua Nova, em Rio das Pedras.
Nas redes sociais, uma suposta troca de áudio entre traficantes cita a morte de Wellington e mostra a crueldade na ação: “Wellington, pegamos lá no Marcão (região da Gardênia Azul). […] Só os destroços […]. Quem pisar no Gardênia, simpatizante de milícia, é assim”, diz um homem ainda não identificado. A comunidade é uma localidade de constante disputa entre criminosos rivais, que se intensificou no início deste ano. Parte da região, hoje, já é dominada por traficantes.
Todas as três vítimas teriam, segundo a polícia, sido sequestradas e levadas para a Cidade de Deus, onde foram mortas. No caso de Wellington, além de ter sido decapitado, seu corpo tinha os pés amarrados por uma fita.
Mandados de prisão em aberto
Contra Lesk e Ryan, — ambos mortos na última semana, após o ataque aos médicos — haviam mandados de prisão em aberto por crimes cometidos na Rua Araticum. Ambos foram encontrados sem vida na noite da última quinta-feira. Para a Delegacia de Homicídios da Capital, eles podem ter sido executados por retaliação dos próprios comparsas, depois de terem, possivelmente, confundido o ortopedista Perseu Ribeiro Almeida — que estava com colegas em um quiosque na Avenida Lúcio Costa — com o miliciano Taillon de Alcântara Pereira Rosa. Taillon, suposto alvo do grupo no ataque da última semana, é acusado pelo Ministério Público de atuar em uma milícia que explora transporte alternativo, água, gás e TV a cabo em Rio das Pedras, na Muzema e em outras comunidades nos arredores.
Como o GLOBO revelou em abril, a tomada da Araticum seria uma estratégia dos traficantes para chegarem à comunidade de Rio das Pedras, berço da milícia e uma das maiores favelas do Rio. Por conta disso, a via registrou, em 46 dias, 17 homicídios na guerra entre criminosos rivais. Apenas em 8 de março, foram oito pessoas foram mortas.
Executados após engano
Encontrado no porta-malas de um Toyota Yaris na Avenida Tenente-Coronel Muniz de Aragão, na Gardênia Azul, Lesk era réu por dois homicídios qualificados. A vítima mais recente, na noite de 14 de fevereiro, foi o pedreiro Erinaldo Gomes da Silva, de 51 anos. De acordo com as investigações da Delegacia de Homicídios da Capital (DHC), ele seria apontado pela quadrilha de traficantes como um informante de milicianos.
Já Ryan, encontrado em um Honda HRV na Rua Abraão Jabor, no Camorim, era réu pelo homicídio qualificado do veterinário Ademilson Lana dos Santos, de 34 anos, na noite de 29 de março. Na ocasião, o traficante, Douglas de Albuquerque Martins e Gabriel da Silva Valêncio teriam atirado na vítima após ela reclamar da invasão do terreno de sua casa para a instalação de uma boca de fumo, na Araticum. Ryan era apontado pela polícia como o braço direito de Lesk.
Ele foi preso em dezembro de 2020 por tráfico de drogas, posse irregular de arma de fogo e corrupção de menores. Em setembro do ano seguinte, deixou a Cadeia Pública Jorge Santana. Este ano, no entanto, o criminoso voltou a ser preso e levado para 32ª DP (Taquara), mas fugiu no momento em que seria colhido seu depoimento. Quando sua algema foi retirada, ele empurrou um policial militar e acabou fugindo.
Fonte: EXTRA