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    Especialista estima que existam 28 mil fuzis nas mãos de bandidos do Rio

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    Fuzis foram apreendidos na operação realizada pela polícia na Vila Cruzeiro — Foto: Reprodução

    Os 47 fuzis apreendidos pela Polícia Federal, na última terça-feira, em uma mansão na Barra da Tijuca, são ínfimos perto do total dessas armas no estado, estipulado pelo antropólogo Paulo Storani em 28 mil. Como referência, ele usa um relatório da Subsecretaria de Integração e Planejamento Operacional, da Polícia Civil, em resposta ao Supremo Tribunal Federal (STF) na ADPF das Favelas, que estabelece regras para incursões em comunidades. O documento calcula que haja 56 mil traficantes e milicianos no estado — ou seja, cada arma poderia ser manuseada por dois criminosos, em revezamento.

    — Para o bem ou para o mal, o Rio revela tendências, que depois são reproduzidas no resto do país. Um exemplo disso é o crescimento da violência e de confrontos na Bahia, que lembram muito como o crime era no Rio nos anos 1990 — disse Storani, que não vê no aumento de efetivo policial a saída para o problema.

    As guerras entre bandos rivais se espalham pelo estado, que vem sendo inundado por uma enxurrada de fuzis clandestinos. Uma estatística consolidada pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp), antecipada pelo colunista do GLOBO Ancelmo Gois, mostra que o Rio se tornou um “paiol” da criminalidade. De janeiro a agosto deste ano, foram apreendidas 472 dessas armas de guerra no estado — isso representa mais da metade de todos os registros feitos no país. Para especialistas, a fragmentação das quadrilhas do tráfico e da milícia estão por trás desses números.

    — Guardadas as devidas proporções, é a mesma situação que observamos em guerras, nas quais países vizinhos que vivem em conflito se armam para defender seus territórios — avalia a economista e professora da Fundação Getulio Vargas (FGV) Joana Monteiro, que já presidiu o Instituto de Segurança Pública (ISP), responsável por analisar os dados da violência no estado. — O caminho para impedir que armas cheguem a criminosos é focar em ações de inteligência.

    Quando for atualizado, o levantamento da Senasp vai mostrar que o número de fuzis tirados das mãos de criminosos poderá chegar a pelo menos 543 — quase dois por dia. Ainda assim, é possível ver imagens do poderio bélico de traficantes durante um treinamento de guerrilha no Complexo da Maré.

    As guerras de grupos criminosos no Rio — Foto: Editoria de Arte
    As guerras de grupos criminosos no Rio — Foto: Editoria de Arte

     

    PRF mata suspeito

    Ontem à tarde, por exemplo, agentes da Polícia Rodoviária Federal recolheram mais um fuzil, uma pistola e munição na BR-465 (antiga Rio-São Paulo), na altura de Nova Iguaçu. Na abordagem, os policiais dizem que houve troca de tiros e um suspeito foi morto e outro, ferido. De acordo com a corporação, os dois estavam num carro roubado e tinham passagens pela polícia. A ação aconteceu numa região em que milícias rivais disputam o domínio de territórios.

    Especialista em armas e consultor de segurança, Rildo Anjos também atribui o fenômeno ao número de grupos rivais na disputa por territórios. Um levantamento feito pelo GLOBO mostrou que em 40 dias, em agosto e setembro, houve confrontos em 29 comunidades, com 29 mortos e 11 feridos. O dado não incluiu as operações policiais.

    — Há ainda outros fatores que explicam a preferência por essas armas. Os fuzis de hoje são mais leves e carregam mais munição que aqueles que os traficantes manipulavam no Rio, por exemplo, nos anos 1990 — disse Rildo Anjos.

    O consultor chama a atenção para a situação de São Paulo. De acordo com dados da Senasp, as forças policiais apreenderam este ano 117 fuzis no estado vizinho, mesmo ele sendo mais populoso. Ou seja, 75,2% a menos que no Rio.

    — Em São Paulo, por exemplo, no caso do tráfico, predomina uma única facção. Isso se reflete em menos conflitos — analisa. Ex-secretário nacional de Segurança Pública, o coronel José Vicente da Silva Filho diz, porém, que a situação enfrentada pelo Rio não pode ser avaliada de forma isolada:

    — Não tenho dúvidas de que o Rio apreende mais fuzis porque a quantidade desse armamento que circula ilegalmente no estado é maior do que no restante do país. Mas essa questão é federal e não apenas para ser resolvida pela polícia local. É preciso investir em investigação para determinar as rotas da chegada dessas armas ao Rio e reforçar a fiscalização nas fronteiras.

    O antropólogo Robson Rodrigues, que já comandou o Estado-Maior da Polícia Militar do Rio, destaca que o que é apreendido é uma parcela pequena da quantidade de fuzis em circulação na clandestinidade.

    — Quanto mais disputas tiver, mais armas eles vão precisar. Quanto mais os criminosos decidam expandir seus negócios, mais armas vão necessitar. E quanto mais a polícia buscar a operação pela operação, sem nenhum planejamento de controle desse mercado, mais necessidade haverá de armas. A polícia acha que só com operações resolve. Mas, ao contrário, cada vez mais ela alimenta essa “guerra”. É um círculo vicioso — afirma ele.

    Embora a operação da Polícia Federal numa mansão na Barra esta semana tenha sido pontual, o coronel Robson entende que o caminho é esse:

    — Deve-se apreender fuzis de forma mais qualificada, sem tiroteio, derramamento de sangue, para causar um impacto maior nesse mercado clandestino. Essa também é melhor resposta, segundo Joana Monteiro:

    — A PM diz que apreendeu mais de 400 fuzis este ano como se estivesse dizendo: “Estamos trabalhando”. Mas essa é uma forma muito violenta de controlar armas. Sou a favor de priorizar o controle das armas. Isso significa valorizar as investigações em lugar das operações militares.

    O antropólogo Paulo Storani, ex-integrante do Batalhão de Operações Especiais (Bope), da PM, alerta para a gravidade da situação hoje no Rio. Isso porque essa disputa intensa por territórios com armamentos pesados tende a se repetir em outros estados. Seria o que Storani define como uma espécie de ‘‘mexicanização’’ do Brasil a médio prazo (entre cinco e dez anos).

     

    Crime por exportação

    Isso, acredita Storani, pode explicar porque as polícias de outros estados também já registram aumento da quantidade de fuzis recuperados. De janeiro a julho de 2023, a polícia de São Paulo divulgou ter apreendido 108 fuzis, mais que o dobro do registrado em todo o ano passado: 52. Já na Bahia, as apreensões saltaram de 22 no passado para 48 só até o fim de setembro.

    No caso do Rio, as apreensões também mostram tendência de aumento. Segundo estatísticas do ISP, que só computa registros em delegacias da Polícia Civil, até agosto foram 444. O número já se aproxima do total de 2022: 457. Em 2007, quando o Rio começou a fazer a série histórica, foram apenas 214 fuzis apreendidos, isso sem contar a quantidade recuperada pela PF.

    Fonte: EXTRA

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