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Levantamento revela defeitos em câmeras corporais usadas em 16 unidades da PM no Rio

Policial com câmera no uniforme faz a segurança em um dos acessos a Maré, na Avenida Brasil, durante megaoperação no último dia 9 — Foto: Márcia Foletto / Agência O Globo / 09-10-2023

Estratégia adotada para reduzir a letalidade policial no Estado do Rio, por determinação do Supremo Tribunal Federal (STF), as câmeras operacionais portáteis (COPs), acopladas aos uniformes de policiais, não estão cumprindo como deveriam sua função. Documentos aos quais o EXTRA teve acesso mostram que as chamadas bodycams (câmeras corporais) instaladas nem sempre estão de “olhos abertos”. Algumas baterias descarregam com poucas horas de uso, e outras sequer conseguem ser recarregadas e levadas para incursões. Foram verificadas ainda dificuldades para conectar aparelhos à internet, além de simples “obstáculos”, como problemas nos suportes para prender os equipamentos às fardas e até para identificar o agente que vai utilizá-los.

Relatórios detalham pelo menos 39 ocorrências, entre 14 de agosto e 15 de outubro, em 16 unidades da Polícia Militar: nove batalhões da Região Metropolitana (Alcântara, Campo Grande, Copacabana, Irajá, Jacarepaguá, Maré, Recreio, Tijuca e o Batalhão de Polícia Turística), outros cinco de cidades do interior (Angra dos Reis, Cabo Frio, Campos, Macaé e Nova Friburgo), além de duas unidades da Polícia Ambiental.

 

Obrigações não cumpridas

O próprio governo do estado demonstrou insatisfação com as câmeras que comprou, e instaurou, em 25 de setembro, um processo administrativo. Alega que a empresa L8 Group S/A “deixou de cumprir com as obrigações”. Dependendo do que for apurado, a fornecedora pode ser punida, sendo impedida de firmar contratos públicos por cinco anos. Em nota, a L8 afirmou que tratativas “são decorrentes de situações naturais em contratos de grande porte”, e que todas estão sendo feitas “dentro do âmbito cabível”.

Pelo levantamento, mais de um terço dos problemas detectados (15 casos) foi com baterias. Há situações de agentes que não puderam usar os equipamentos “por falta de câmeras com carga”, como ocorreu em 14 de agosto no 25° BPM (Cabo Frio).

Agentes do 22º BPM (Maré) chegaram a ser impedidos de usar os dispositivos de forma integral na semana retrasada, no primeiro dia das ações do estado no complexo de favelas, porque as câmeras descarregaram durante o serviço. Com previsão de 12 horas de durabilidade, a bateria dos equipamentos funcionou metade do tempo estimado (6h39, em média).

Relatório do comandante do batalhão da Maré, Moises Pinheiro Sardemberg, mostra que, no último dia 9, quatro agentes enfrentaram o problema. Um sargento só conseguiu usar a câmera das 3h34 às 9h45; outro, das 3h05 às 9h59. Um cabo permaneceu com o equipamento operando das 2h51 às 8h48, enquanto um colega, das 2h59 às 10h34. “Cabe ressaltar que, devido à duração supracitada, não foi possível a utilização das COPs durante a totalidade do período da operação”, ressaltou o comandante.

Em segundo lugar no ranking, estão os problemas encontrados no sistema ou de conexão (12 casos), seguidos de outros empecilhos (cinco casos), que vão desde um alerta sonoro de que a câmera disparou, a um equipamento apagado usado por guarnição do Batalhão de Policiamento Turístico (BPTur). Inconsistências nas estações de carregamento ou nos suportes das câmeras completam a lista.

Ao todo, há 10.218 câmeras implantadas até agora, segundo a PM, nos 39 batalhões de área, além de unidades especializadas, como as de policiamento em Estádios (Bepe), Ambiental (CPAM) e BPTur. A previsão é que mais 13 mil sejam adquiridas e comecem a ser utilizadas até o fim de dezembro. O governo informou ao STF que as tropas de elite — como o Batalhão de Operações Especiais, da PM, e a Coordenadoria de Recursos Especiais, da Polícia Civil — também estão na lista.

Levantamento à parte, defeitos nos equipamentos já levaram o 26° BPM (Petrópolis) a elaborar um relatório de 12 páginas, listando casos entre 23 de junho de 2022 e 31 de julho deste ano. Com mais de 90 tópicos, o documento cita notificação extrajudicial à L8 Group, “pelo não cumprimento de exigências dos contratos firmados com o estado”.

A notificação foi assinada por Amós da Silva Filho, um gestor de contratos da PM, em 31 de maio. O seu argumento era que as imagens não estavam sendo “adequadamente descarregadas para o sistema”, o que configuraria que “o serviço não estaria sendo prestado a contento”.

Em 15 de setembro, uma nova comunicação, assinada pelo coordenador de Videomonitoramento, Sensores e Telemetria da PM, Rafael Vicente Meneses da Silva, foi enviada à L8. Ele citou 25 inconsistências em equipamentos. Em resposta, a empresa contratada argumentou que as câmeras apresentaram um comportamento “inesperado”, além de informar que as bodycams seriam levadas para a análise. A recorrência dessas inconsistências levou o coordenador de despesas Agdan Fernandes a instaurar processo administrativo contra a L8.

A L8 Group S/A tem hoje três contratos com o estado, num total de R$ 133,7 milhões. Em vigor desde maio e outubro 2022, dois são para a prestação, durante 30 meses, de serviços contínuos e especializados para a “transmissão, gestão e custódia de evidências digitais, com fornecimento, por comodato, de câmeras operacionais portáteis” e os demais equipamentos necessários para “estabelecer os links com o sistema de armazenamento em nuvem” das COPs. O terceiro, que vai de setembro deste ano a março de 2026, é para o videomonitoramento analítico centralizado no Centro integrado de Comando e Controle (CICC).

 

Medidas adotadas

Em nota, a PM informa que “todas as medidas de gestão e fiscalização contratual estão sendo adotadas, visando a correções e melhorias na solução”. A L8 Group S/A explica que “todas as eventuais questões técnicas estão sendo sanadas” e que “eventuais falhas constatadas são pontuais”.

 

Dificuldades desde a implantação

 

  • Atraso. Problemas técnicos que cercam as câmeras corporais motivaram que a sua implantação fosse atrasada em duas semanas. As COPs começaram a ser utilizadas por agentes em 5 de maio de 2022, dias após uma operação policial deixar 23 mortos na Vila Cruzeiro, na Zona Norte do Rio, e a cobrança de medidas contra a letalidade aumentar por parte de entidades ligadas aos direitos humanos.
  • Unidades especiais. A elite das polícias segue sem as câmeras instaladas. Durante entrevista, no último dia 9, o secretário da PM, Luiz Henrique Marinho Pires, afirmou que “as unidades especiais têm um cronograma a cumprir, determinado pelo STF”, e que, no momento, apenas “parte da tropa empregada está usando o equipamento”. A promessa é que esses batalhões estejam equipados até o fim deste ano.
  • Supremo. Em junho, o ministro Edson Fachin, do STF, manteve a determinação para a instalação das câmeras nas unidades especializadas, como Bope e Core. O estado havia apresentado argumentos contrários à medida na chamada ADPF das Favelas, o que foi rejeitado pelo ministro.
  • Ajuda federal. As câmeras também foram protagonistas do atraso no envio da Força Nacional para apoiar a segurança pública no Rio. O ministro da Justiça, Flávio Dino, chegou a dizer que a falta de COPs para os agentes limitou a atuação federal a rodovias federais e a aeroportos, sem incursões em comunidades. A pasta foi questionada pelo Ministério Público Federal, que citou que as ações nas favelas deveriam ser feitas com bodycams.

Fonte: EXTRA

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