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Governo estadual volta a investir na política de segurança do ‘inimigo público número 1’ e oscila entre confrontos e promessa de ação social

Ônibus incendiado na Avenida Santa Cruz — Foto: Domingos Peixoto

No meio do caos após a morte do miliciano Matheus da Silva Rezende, o Faustão, o governador Cláudio Castro recorreu à saída historicamente corriqueira em momentos de crise no Rio, ao nomear um inimigo público número 1. Só que dividiu o posto entre três procurados: os milicianos, Luis Antônio da Silva Braga, o Zinho, e Danilo Dias Lima, o Tandera, e o traficante Wilton Carlos Rabelo Quintanilha, o Abelha. A declaração foi movimento para dar um norte a sua política de segurança pública, que especialistas, porém, dizem não ter direção nítida.

Em busca de novo rumo, a propósito, o secretário executivo do Ministério da Justiça, Ricardo Cappelli, afirmou ontem estudar, junto ao governo do Rio, a criação de um grupo de inteligência para abalar financeiramente organizações criminosas em ação no estado.

— Hoje, tratamos a integração entre as polícias Federal e Civil na questão da lavagem de dinheiro — disse Castro, após reunião com Capelli. Semana que vem esse grupo de trabalho já deve estar instituído e começando a funcionar — explicou.

Entre os discursos repetidos pelo governador na reação a choques como a execução, este mês, de três médicos na Barra da Tijuca, o objetivo de asfixiar o poderio econômico dos grupos criminosos tem sido um dos mantras. Mas, desde que Castro assumiu o cargo em definitivo, em maio de 2021, houve apenas seis operações contra o braço financeiro das milícias fluminenses — uma delas realizada pela Polícia Federal.

Nesse período, Castro oscilou entre a defesa da ação da polícia em algumas das operações mais letais do Rio, como a do Jacarezinho, em 2021, com 28 mortos, e a instauração do Cidade Integrada. Nada a ver, frisava o governador, no lançamento do programa, no início de 2022, com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs), que na avaliação dele tinham trazido mais prejuízos que benefícios”. Mas, em comum, estava prevista a ocupação social das comunidades. O projeto foi anunciado, inclusive, para o Cesarão, área dominada pela milícia comandada por Zinho, tio de Faustão, em Santa Cruz, na Zona Oeste aterrorizada pelos incêndios e fechamentos de serviços anteontem.

Reiteradamente, o governador também destaca a queda nos números de mortes violentas no estado, alguns meses com os menores índices desde os anos 1990. Mas, além da redução se reproduzir nacionalmente, há reveses em áreas como Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes, afetadas pela guerra entre milicianos e facções, que bateram um recorde histórico de violência: foram 88 assassinatos de janeiro a setembro deste ano, maior quantidade registrada em 20 anos.

Acrescente-se a esse cenário a prisão, em setembro de 2022, do ex-secretário de Polícia Civil Allan Turnowski, que era um dos principais avalistas das estratégias de segurança pública de Castro. Assim como as pressões políticas que, na semana passada, levaram à substituição de José Renato Torres do comando da Civil. Ele pôs o cargo à disposição 14 dias após tomar posse, dando lugar ao delegado Marcus Amim, numa mudança com interesses na Assembleia Legislativa do Rio (Alerj) como pano de fundo.

— A linha clara do governo é não ter uma agenda, uma política pública, uma visão que tenha no centro a garantia de direitos, a resolução dos problemas, o combate qualificado ao crime organizado e o investimento em investigação para que criminosos não permaneçam sem ser responsabilizados pela Justiça — afirma Pablo Nunes, pesquisador do Centro de Estudos de Segurança e Cidadania (CESeC).

Da equipe que implementou o Instituto de Segurança Pública do Rio (ISP) em 1999, a antropóloga Jacqueline Muniz, do Departamento de Segurança Pública da UFF, faz coro com as críticas.

— É uma política de três S. Você dá um susto na população: as crises são fabricadas de dentro, porque a milícia é parte da estrutura (do governo). Aí você tem surtos autoritários, com o governante dando soco na mesa e dizendo que, com ele, bandido não se cria. E depois você tem soluços operacionais, cuja razão de ser é produzir filminhos instagramáveis — diz ela, que chama de “imaturo” que Castro ressuscite a ideia de “inimigo público número 1”. — Frases como essa desmerecem o trabalho policial, a superioridade de método no uso qualificado e com foco na repressão.

 

Força-tarefa

Entre cartadas mais recentes do governo, o pedido de apoio à União rendeu a vinda da Força Nacional para o Rio. Já ontem, Ricardo Cappelli afirmou estudar a criação de um grupo de inteligência coordenado pela Casa Civil e a Secretaria de Fazenda do estado para atuar em conjunto com a Secretaria Nacional de Segurança Pública, a Polícia Federal e a Receita Federal no combate aos crimes financeiros praticados por organizações criminosas do tráfico e da milícia.

Em operações com esse fim, a polícia descobriu que a quadrilha de Zinho usava postos de gasolina e lojas de conveniência para lavar montantes obtidos com a extorsão dos moradores da Zona Oeste, e que o grupo chefiado por Tandera fazia o mesmo com criptomoedas.

Entre os três criminosos citados por Castro, somente Tandera tem mandado de prisão em aberto pelo crime de lavagem de dinheiro — fruto de decisão judicial do último mês de abril. Os dados são do Banco Nacional de Mandados de Prisão (BNMP). Segundo investigações da Polícia Civil, ele já não ocupa, no entanto, cargo de hierarquia em milícias da Baixada e da Zona Oeste.

No ano passado, após a morte de seu irmão, Delson Lima Neto, o Delsinho, durante uma operação, ele perdeu apoio de seus comparsas, e novos cabeças tomaram seu lugar. Tauã de Oliveira Francisco, o Tubarão, chefia o grupo em Seropédica. Gilson Ignácio de Souza, o Juninho Varão, está à frente da quadrilha que atua em Nova Iguaçu. Já Alan Ribeiro Soares, o Nanan, tenta se estabelecer na Zona Oeste do Rio — território dominado por Zinho. Todos os atuais chefes eram comparsas sob o comando do miliciano Wellington da Silva Braga Ecko, morto em 2021. Nenhum deles é policial ou ex-integrante de alguma força de segurança.

Nesse cenário de guerra, só em Santa Cruz, apontada como o QG da milícia de Zinho, os assassinatos aumentaram 83% este ano. Já Jacarepaguá, onde o grupo vem perdendo domínio para traficantes, as mortes cresceram 156%. Outro recorte dos dados do ISP mostra que os sete bairros da Zona Oeste onde ocorreram ataques de milicianos na segunda-feira tiveram explosão nos homicídios este ano, na comparação com 2022. Nas áreas das delegacias de Santa Cruz (36ª DP), Campo Grande (35ª DP), Recreio dos Bandeirantes (42ª DP) e 43ª DP (Guaratiba), houve 140 mortes entre janeiro e setembro deste ano, um aumento de 57% em relação ao mesmo período de 2022. É o número mais alto desde 2018.

A elucidação dessas mortes é outro problema histórico. Os dados mais recentes do estudo “Onde mora a impunidade”, do Instituto Sou da Paz, por exemplo, mostram que, em 2019, só 16% das investigações de assassinatos abertas haviam resultado em denúncias contra o autor do crime até o final de 2020.

Contra o miliciano Faustão, por exemplo, que era apontado como número 2 da hierarquia da milícia e cuja morte foi comemorada pelo governador, havia somente dois mandados de prisão em aberto, o mais recente pelo homicídio do fundador da Liga da Justiça, Jerônimo Guimarães, o Jerominho. Mas a polícia estima que ele tenha se envolvido em mais de 20 homicídios, até hoje não esclarecidos.

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Contra o miliciano Faustão, por exemplo, que era apontado como número 2 da hierarquia da milícia e cuja morte foi comemorada pelo governador, havia somente dois mandados de prisão em aberto, o mais recente pelo homicídio do fundador da Liga da Justiça, Jerônimo Guimarães, o Jerominho. Mas a polícia estima que ele tenha se envolvido em mais de 20 homicídios, até hoje não esclarecidos.

Castro chegou a chamar os grupos criminosos do Rio de máfias na ocasião das mortes dos médicos na Barra. Tomando como ponto de partida essa classificação, o pesquisador Pablo Nunes afirma que o governo, então, deveria ampliar suas ações na segurança além das operações policiais.

— Em nenhum lugar do mundo o combate à máfia foi somente com polícia. Se ele acredita que as milícias ou o tráfico são máfias, ele deveria se inspirar no que já foi feito em outros lugares — diz Nunes. — Outros países que foram exitosos nesse combate tinham uma lista de ações que articulava não só operações policiais, mas também operações no Legislativo, na forma de promulgar leis que pudessem permitir que o dinheiro da máfia fosse investigado e que as suas articulações pudessem ser combatidas e criminalizadas — conclui.

Castro, por sua vez, já na inauguração do Cidade Integrada, em janeiro de 2022, no Jacarezinho e na Muzema,já argumentava que a escolha da segunda comunidade se justificava por ser “um dos berços da milícia”, sem que, segundo ele, nunca tivesse sido feito um trabalho como aquele em uma área controlada por paramilitares. No entanto, segundo O GLOBO levantou no Tribunal de Justiça do Rio, em 82 processos judiciais em que 204 réus responderam pelo crime de constituição de milícia privada no Rio entre 2013 e 2022, 38% dos réus acabaram absolvidos por falta de provas.

Fonte: EXTRA

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