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Pesquisa mostra que apenas um a cada cinco roubos no país é registrado em delegacia

Turistas reclamam da sensação de insegurança que sentem na cidade do Rio de Janeiro — Foto: Guito Moreto

Um cruzamento de dados sobre a violência no país ajuda a dimensionar a distância entre as estatísticas oficiais e a realidade. Estudo feito pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), ao comparar números de registros de ocorrência nas delegacias com relatos de vítimas feitos a partir de questionamento do IBGE, aponta que o número de pessoas que declararam ao instituto terem sido vítimas de roubo ou viverem com alguém que sofreu crime é, em média, no país, cinco vezes maior do que o dos roubos registrados. No Rio, a situação quase se repete: a chamada taxa de vitimização é quase 4 vezes maior do que a taxa de registros de roubos totais.

Taxa — Foto: Editoria de Arte
Taxa — Foto: Editoria de Arte

O trabalho usou informações do Suplemento da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, de 2021, e do Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, para dimensionar o problema ao nível nacional. A análise “Evolução dos dados criminais no Brasil” foi coordenada pela economista e ex-presidente do Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio Joana Monteiro. O levantamento, para ela, pode ajudar a direcionar políticas públicas:

— Se você olhar o número de homicídios e roubos baseado nos registros das delegacias, os números do Rio estão menores. Ele não fica no topo em nenhum desses índices. Só que isso não representa a realidade e nem dá dimensão de todos os problemas, já que muitas pessoas não procuram as delegacias por não acreditarem que isso vai gerar resultado.

Para o ex-comandante da PM, o coronel Ubiratan Ângelo, o problema da subnotificação tem relação direta com o tipo de crime e a área onde aconteceu:

— As pessoas não costumam registrar um caso de violência feita contra um chefe da milícia ou do tráfico, por exemplo. Essa dimensão é nebulosa. Por outro lado, o roubo de carros não sofre com falta de registros. Mas não porque as pessoas acreditam que a polícia conseguirá resgatar o veículo e sim para garantir documentos para buscar o seguro — diz o coronel.

 

Sensação de Insegurança

Nem sempre a sensação de insegurança vem de um ato violento. A presença de atividades criminosas por si só pode provocar medo. O estudante de Direito Pedro Jorge Ramos, de 24 anos, aproveitava o dia de ontem na Praia do Arpoador quando foi surpreendido por um grupo que lhe ofereceu drogas para comprar.

— A praia estava bem tranquila. Não foi uma abordagem violenta. Mas eu e minha amiga não nos sentimos seguros. Preferimos nos afastar e caminhamos na outra direção — relata o jovem, que mora em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense.

Dados — Foto: Editoria de Arte

Viver no Rio, segundo ele, demanda alguns protocolos de comportamento:

— A gente evita se expor. Eu não saio de madrugada sozinho de jeito nenhum, procuro estar sempre com alguém. Fujo de lugares ermos, tento optar por espaços mais movimentados. Eu fiz seguro do meu celular para não ficar no prejuízo, caso seja assaltado.

Além da subnotificação, a pesquisa traz dados sobre a percepção de segurança da população sobre os locais em que elas residem. Aos recenseadores, um a cada três moradores do Estado do Rio disse ter ouvido troca de tiros próximo de casa, dado antecipado pelo colunista Ancelmo Gois. Cerca de 47% dos moradores consideraram alta ou média as chances de serem assaltados na rua. E para 31%, existe a possibilidade de ficar no meio de um tiroteio no seu dia a dia.

— A pesquisa sobre percepção de segurança é subjetiva, mas mostra como os moradores de cada estado veem a chance de sofrer um crime. No Distrito Federal, o número de pessoas que consideram alta a chance de ser roubados e mortos é maior do que no Rio de Janeiro, por exemplo. Isso mostra que as pessoas lá estão mais alarmadas — diz Joana.

No Distrito Federal, 55% dos moradores disseram ser alta ou média a chance se sofrer um assalto. E cerca de 20% responderam que têm chance de serem assassinados. No Rio, a taxa foi de 47% e 19%, respectivamente.

Dados — Foto: Editoria de Arte

A fisioterapeuta Paula Santos, de 42 anos, mora na Zona Sul do Rio e diz que os cariocas já se conformaram com a violência costumeira. Ela conta que adaptou toda sua rotina para se sentir mais protegida na rua:

— Não tem segurança, mas a gente acaba se acostumando. É triste dizer isso, mas é a realidade. A gente vai adaptando a rotina, os horários, os caminhos e as ruas para evitar (ser vítima). Eu tento aproveitar mais a cidade durante o dia e só vou à praia durante a semana, por exemplo. Fim de semana prefiro ficar em casa. Na rua, eu não uso joia, nada de ouro, saio o mais simples possível — conta a fisioterapeuta.

Moradora de Duque de Caxias, na Baixada Fluminense, Laise Melo, de 44 anos, trabalha fazendo entregas de encomendas. Para ela, a sensação de insegurança também constante. Com três filhos, ela diz que o difícil é ter um dia que ela consiga dormir tranquila:

— A gente não tem segurança em lugar nenhum, seja trabalhando, estudando ou passeando. Como moro em comunidade, nem casa me sinto protegida. No fim de semana, por exemplo, meu filho mais velho foi assistir ao jogo do Fluminense no Maracanã e eu fiquei desesperada. Não conseguia ficar em paz com medo de ele virar estatística.

A pesquisa da FGV também destaca a percepção da população sobre a utilização de celular em lugares públicos. De acordo com o estudo, 59% dos moradores do Estado do Rio relataram que evitam usar o aparelho na rua por motivos de segurança. No Distrito Federal, o percentual sobe para 69% e fica em 56% em São Paulo.

Em visita ao Rio, a aposentada gaúcha Silvia Kriger, de 63 anos, recebeu orientações para evitar assalto do guia de turismo que contratou para a viagem. Ela está hospedada com a família, na Lapa, no centro da cidade.

— As recomendações principais são evitar usar joias, se vestir da forma simples, sem extravagâncias, não ficar usando o celular na rua, não sair com muito dinheiro em espécie, e ter atenção mesmo. Estamos seguindo tudo isso, estamos cuidando bastante. Queremos passear com tranquilidade — conta Silvia.

 

Poder paralelo

A pesquisadora Joana também destaca a dificuldade de dimensionar o impacto da atuação de grupos armados na vida dos moradores do Rio. Por isso, ela reforça a importância de pesquisas de vitimização como a que foi feita pelo IBGE:

— Esses números ajudam a revelar os problemas que não costumam ser mensurados. Presenciar um tiroteio ou uma cobrança ilegal não gera, necessariamente, um boletim de ocorrência na delegacia, mas diz muito sobre segurança de um local. Além disso, muitas pessoas acabam não procurando a polícia por descrença e falta de confiança nos órgãos de segurança.

Segundo a pesquisa, cerca de 12% dos moradores do Estado do Rio afirmaram ter visto alguém que não era das forças de segurança armado na rua. E 7% presenciaram uma extorsão ou viram uma pessoa cobrando taxas ilegais.

O atendente de loja Alexandre Bacalhau, de 40 anos, afirma que os cariocas se tornaram refém do poder paralelo:

— O Rio está entregue ao tráfico e à milícia. O Estado não manda em nada, e a gente fica refém. Não me sinto seguro em nenhum lugar. Parte da minha família mora em Bangu, na Zona Oeste. Lá tem horário, depois das 21h ninguém fica na rua.

Fonte: EXTRA

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