Maria do Carmo, de 73 anos, está há oito dias sem luz. Com ela moram quatro pessoas, três cachorros e um gato. — Foto: Domingos Peixoto / Agência O Globo
Quatro pessoas, três cachorros e um gato dividem a casa de Maria do Carmo Bezerra, de 73 anos. A residência fica entre vielas da Cachopa, um dos pontos da favela da Rocinha, na Zona Sul do Rio, a mais afetada pela falta de luz na região — oito dias em completo breu. A comida guardada na geladeira foi toda para o lixo. As refeições são feitas para consumo imediato e se limitam a arroz, feijão e legumes. A carne estragou sem refrigeração.
Três ligações foram feitas para a Light, fornecedora de energia para 31 municípios do estado. Depois, ela desistiu.
— Eles só pedem para a gente esperar. As pessoas pensam que a gente gosta de fazer gato, mas não é assim. Estamos há mais de uma semana sem luz. Queremos dignidade, mas a empresa diz que é área de risco e não vem nem para tirar a conta — comenta, sentada no degrau da porta de casa, a mão secando o suor do rosto.
Segundo a Associação de Moradores da Rocinha, ao menos 15 mil pessoas estão sem energia elétrica, algumas há três dias, outras há oito. Para cada residência sem luz, a recomendação é abrir um protocolo de atendimento na Light, que dá prazo de 72h para uma resposta. As ocorrências se intensificaram em outubro e, há 15 dias, tornaram-se recorrentes. O período coincide com o recorde de calor do município, que alcançou sensação térmica de 59°C na tarde de ontem.
Os moradores explicam que no passado havia uma equipe de atendimento à comunidade, além da troca de registros e transformadores. Contudo, a empresa não teria acompanhado o crescimento da favela, que demanda cada vez mais energia.
Em nota, a Light explica que “com a elevação das temperaturas e, consequentemente, do aumento do consumo e das ligações clandestinas, a rede elétrica entra em sobrecarga”. Na última semana, a concessionária recebeu 127 ocorrências sobre falta de luz na Rocinha, local onde, de acordo com ela, o furto de energia é de 83,74%.
Tamires da Silva, de 28 anos, mudou-se do Ceará para o Rio há dois anos. Com ela, vieram seu marido e mais quatro filhos. No ano passado, nasceu a caçula, de 11 meses. Eles são vizinhos de Maria do Carmo e, como ela, estão há oito dias sem luz.
Parte das crianças dormem na cama do casal. A outra, em colchões e redes, herança da cidade natal. Tamires conta que fica a noite toda abanando os filhos, enquanto o único ventilador da casa fica num canto da sala, inútil, sem energia.
— É muito estressante. O calor começa a sufocar, eu não dou conta de manter todos distraídos em dias inteiros sem luz. Eu começo a brigar com eles por qualquer motivo, me sinto culpada e choro. Sei que é o mal-estar pelo calor — compartilha ela, enquanto carrega a bebê e tenta separar uma briga entre os do meio.
Entre as demandas de serviço à Light, os moradores ponderam ao menos três: a renovação da rede, com cerca de 40 transformadores defasados; o aumento da potência dessa rede que, de acordo com a associação, é a mesma há uma década, e a expansão da Tarifa Social de Energia Elétrica (TSEE), projeto do Governo Federal de 2002, que estabelece desconto de até 65% na conta de luz para famílias baixa renda
Sobre a implementação da tarifa, a empresa afirma que “para famílias que não são clientes da empresa, a Tarifa Social é uma oportunidade para sair da informalidade e regularizar a sua situação junto à Light”. Além disso, explica que o cadastrado é para aqueles inscritos no CadÚnico, com renda familiar mensal menor ou igual a meio salário mínimo por pessoa; ou quem recebe o Benefício de Prestação Continuada da Assistência Social (BPC); ou famílias com renda mensal de até três salários mínimos, que tenha portador de doença ou deficiência, cujo tratamento necessite do uso contínuo de equipamentos ligados à energia e que também estejam inscritas no CadÚnico.
Fonte: EXTRA