Pessoa em situação de rua dorme na calçada em Copacabana — Foto: Guito Moreto / Agência O Globo
A proposta do prefeito Eduardo Paes de estabelecer uma política de internação compulsória de dependentes químicos na cidade do Rio causou polêmica e dividiu opiniões de especialistas. O advogado Rodrigo Mondego, procurador da Comissão de Direitos Humanos da OAB-RJ, usou suas redes sociais para combater a ideia que qualificou de “hipocrisia”.
— Essa política já deu errado no passado, inclusive no primeiro mandado dele (Paes) . Hoje, se uma pessoa quiser ser internada voluntariamente, não consegue. Os Centros de Atenção Psicossocial (Caps) são poucos, os profissionais ganham mal e trabalham em condições precárias. Isso não passa de hipocrisia — disse Mondego.
Já para o médico Cesar Figueiredo, conselheiro do Cremerj, a medida pode ser boa, mas é preciso analisar caso a caso.
— Uma pessoa que está envolvida nessa situação pode perder a condição de discernir sobre sua vida e eventualmente parar na rua e cair na criminalidade pra comprar droga. O estado tem obrigação de intervir para o bem da própria pessoa e da sociedade, mas cada caso tem que ser visto de forma particular. Uma ação em massa é complicado — analisa Figueiredo.
A despeito da polêmica, o secretário Daniel Soranz, afirma que a ideia é começar a implantar o novo programa a partir do início do ano que vem. Segundo ele, a princípio a medida terá como foco uma lista de 130 pessoas que já passaram pelos serviços de saúde da prefeitura e que possuem indicação de internação.
— Não há qualquer caráter higienista nesse processo, nosso foco são dependentes que têm indicação clínica, que já passaram por consultório de rua ou outros serviços de saúde — diz o secretário.
A medida já foi ventilada em outros governos — como o do ex-prefeito Marcello Crivella, além do próprio Paes em seu primeiro mandato e em dezembro do ano passado — mas é sempre envolta em muita polêmica, principalmente quando resvala na criminalização de pessoas que vivem em situação de rua. No texto publicado pelo prefeito, ele afirma não ser “admissível que diferentes áreas de nossa cidade fiquem com pessoas nas ruas que não aceitam qualquer tipo de acolhimento e que mesmo abordadas em diferentes oportunidades pelas equipes da prefeitura e autoridades policiais, acabem cometendo crimes”. Na sequência, Eduardo Paes afirma não ser possível “generalizar, mas as amarras impostas às autoridades públicas para combater o caos que vemos nas ruas da cidade, demanda instrumentos efetivos para se evitar que essa rotina prossiga”.
A internação involuntária de dependentes químicos é prevista pela Lei 13.840, de 2019. De acordo com o texto, esse instrumento só pode ser utilizado a partir do pedido de familiares, responsáveis legais ou, em último caso, por “servidor público da área de saúde, da assistência social ou dos órgãos públicos integrantes do Sisnad”, o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas.
Por outro lado, decisão de agosto, do Supremo Tribunal Federal (STF), referenda a liminar do ministro Alexandre de Moraes que havia proibido, em todo o país, a remoção e o transporte compulsório de pessoas em situação de rua. A decisão — tomada a partir de ação apresentada pelo Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e pelos partidos Rede Sustentabilidade e PSOL — obriga os estados e o Distrito Federal, bem como os municípios, a cumprir imediatamente o que manda a Política Nacional para a População em Situação de Rua, instituída pelo Decreto Federal nº 7.053 de 2009.
Em outubro, a prefeitura do Rio já havia recorrido contra essa decisão do Supremo, afirmando que a Corte deveria apontar diretrizes e que, ao listar medidas pontuais, invade a competência do Poder Executivo. No recurso, o município argumenta que as medidas apontadas pelo STF são exemplos de ações “absolutamente concretas” e que “demandam dispêndio de recursos financeiros públicos”, além do planejamento para a realização destas despesas. São citadas, por exemplo, medidas como “a existência de bagageiros as pessoas em situação de rua guardarem seus pertences”, disponibilizar “bebedouros, banheiros públicos e lavanderias sociais de fácil acesso para população em situação de rua;” bem como a disponibilização “de itens de higiene básica à população em situação de rua”.
Após a publicação de Paes, o deputado federal Tarcísio Motta (Psol-RJ), enviou documento ao gabinete do ministro Alexandre de Moraes onde solicita que a prefeitura seja intimada “a certificar-se da decisão exarada pelo Supremo (….) no âmbito da ADPF 976” e pede que o município detalhe quais “medidas pretende adotar” e que possam implicar no recolhimento forçado de pessoas em situação de rua”.
Fonte: EXTRA