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    Filho de fundador do Hamas que foi espião de Israel: ‘Responsabilidade de eliminar ideologia do grupo é da sociedade palestina’

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    Mosab Hassan Yousef, filho de um dos fundadores do Hamas — Foto: Egberto Nogueira

    Pouca coisa na vida (ou na jornada, como gosta de dizer) de Mosab Hassan Yousef é simples de explicar. Primogênito do xeque Hassan Yousef, um dos sete fundadores do Hamas, Mosab teve uma infância marcada por privações e violência, em meio ao conturbado cenário social e político da Cisjordânia entre os anos 80 e 90. Nada indicava que o menino, entusiasta da resistência palestina durante a Primeira Intifada, que se arriscou a atirar pedras contra alvos israelenses, viraria um crítico implacável da organização fundada pelo pai — mais tarde, tornando-se informante do Shin Bet, o serviço de segurança interna de Israel.

    Mosab conversou com exclusividade com O GLOBO durante uma rápida passagem pelo Brasil, para um evento da organização StandWithUs Brasil, em São Paulo. O “filho do Hamas”, como ficou conhecido pelo título de sua biografia (publicada no Brasil, em 2010, pela editora Sextante, que reimprimiu 20 mil cópias desde o atentado de 7 de outubro), não alivia nas críticas ao grupo palestino, que culpa pela situação crítica em Gaza, e aprova a ação militar israelense contra o território palestino como passo inicial para acabar com o Hamas.

    Qual a diferença do Hamas do passado, quando o seu pai o fundou, e o Hamas hoje? Havia como prever, naquele tempo, o que vemos hoje?

    O Hamas se transformou em um monstro. Os fundadores originais não pensaram o Hamas tão brutal e bárbaro como hoje. Muitos fatores pesaram, mas é muito difícil dizer o que levou o movimento nesta direção. Quando olho para o massacre [de 7 de outubro], é totalmente diferente da visão do meu pai, por exemplo. Embora, por princípio, o objetivo sempre tenha sido eliminar Israel, os pais fundadores do Hamas nunca disseram como isso deveria acontecer.

    Mas o objetivo principal sempre foi eliminar o Estado de Israel, desde o começo?

    A diferença entre o Hamas antes e hoje é a diferença entre idealismo e realismo. Teoria e prática. Quando meu pai e seus amigos escreveram a carta fundadora do Hamas, pensaram em resistência, na criação de um Estado Palestino Islâmico, mas não calcularam o que isso custaria ao povo palestino. Talvez, eles não tenham pensado em quantas pessoas morreriam em Gaza. Não pensaram que criariam uma nova geração cheia de ódio e pronta para cometer genocídio. Há 35 anos, havia uma teoria no papel. E isso continuou se desenvolvendo até atingir o seu ápice.

    Você escreveu sobre a fundação das Brigadas al-Qassam [o braço militar do Hamas], em 1992, por militantes, e não pelos fundadores do Hamas. Há diferença entre as brigadas e o gabinete político atualmente? É possível entender um separado do outro?

    Ambos têm a mesma ideologia e seguem a mesma liderança. A separação da ala política da ala militar foi feita com o propósito de enganar o inimigo. O Hamas teme que toda a organização se torne um alvo, então seus gênios — ou monstros, como você preferir — separaram as duas alas, para que a liderança política possa dar a ordem e a ala militar lançar o ataque, sem sofrer danos caso ela seja atingida. Mesmo a ala militar não é unificada: se uma célula é atingida, eles podem acionar uma outra e continuar o combate. A ideia é tornar impossível para Israel aniquilar totalmente o grupo ou reunir evidências contra cada um de seus membros e derrubar a estrutura do movimento como um todo. No pior cenário, eles seriam atingidos apenas em um número limitado, e a operação sobrevive.

    Filho do Hamas, livro de Mosab Hassan Yousef — Foto: Divulgação
    Filho do Hamas, livro de Mosab Hassan Yousef — Foto: Divulgação

    Você conheceu algum dos atuais líderes do Hamas? O que pode nos dizer sobre suas estratégias e objetivos?

    Não me encontro com nenhum deles há 15 anos, mas os acompanho pelo noticiário, vejo seus pronunciamentos e, o mais importante, entendo sua mentalidade. O objetivo deles é destruir o Estado de Israel. E é por isso que o Hamas mente ao se mostrar para o mundo como [um grupo] nacionalista e político revolucionário ou uma organização de libertação. Se o objetivo principal deles fosse libertar alguma parte do território do que chamam de ocupação, seria completamente diferente. Mas o Hamas não é um movimento político nacionalista. O Hamas é um grupo fanático religioso, com a visão de um Estado Islâmico sem fronteiras. Por isso, é um beco sem saída para Israel tentar negociar com o Hamas.

    No livro, você se coloca como uma pessoa diretamente afetada pelo conflito: seu pai foi preso muitas vezes, sua família passou necessidades financeiras, você foi intimidado e torturado por colonos judeus e militares israelenses. Você já sentiu ódio de Israel? Acredita que é algo que os palestinos estão sentindo agora?

    Vivi uma mentalidade vitimista por um tempo. Não tinha discernimento para entender as origens do meu sofrimento, e isso é muito natural para um menino em uma sociedade na qual todos apontam e culpam Israel por tudo. Principalmente um menino que não tinha a menor noção do que era Israel. Mas, enquanto eu crescia, percebi que tínhamos inimigos muito mais perigosos do nosso lado. A própria tortura que sofri de militares israelenses: não é como se fosse algo permitido pela lei, pelo Estado.

    E qual foi o ponto de virada no seu caminho?

    Só existe um ponto de virada quando alguém é tentado ou intimidado a fazer algo. Não é o meu caso. Não fui tentado. Não fui intimidado. Fiz escolhas difíceis, porque tinha um desejo de saber a verdade em primeira mão. Tive problemas pessoais porque não gostava do Hamas, não gostava de sua brutalidade, de seus julgamentos ou de nenhuma de suas doenças. Do mesmo modo, quando fui a Israel, buscava vingança. Foi uma cadeia muito longa de eventos que me trouxe ao exato local em que estou agora.

    E como você se tornou um informante e passou a espionar para Israel?

    Fui preso em 1996 e, durante o interrogatório, fui recrutado pelo Shin Bet. Tinha um objetivo na cabeça: ser um agente duplo. Quando cheguei à prisão, contei essa história ao Hamas, e eles não acreditaram em mim. Acharam que a Inteligência de Israel tinha algo contra mim. Eles não tocaram em mim por causa do meu pai, mas mataram muitas pessoas que tinham ligação com o Shin Bet e me torturaram psicologicamente. Quando saí da prisão, estava em péssimo estado. Só quando eles passaram a me perseguir fora da prisão é que tomei a decisão de ouvir seriamente o que Israel tinha a me oferecer. Desde o começo, expliquei meus reais motivos, e eles disseram que me protegeriam. Foi assim que Israel passou a me proteger da organização que meu pai criou.

    Você definiu, no seu livro, o Hamas como um fantasma, uma ideia. Sendo assim, o objetivo de Israel de eliminar o Hamas seria alcançável por meio dessa guerra?

    Acredito que Israel pode tirar o Hamas do poder. É um começo. Uma vez fora do poder, sem financiamento e com suas infraestruturas destruídas, o Hamas não será tão forte e influente como é neste momento, enquanto partido governante. Após isso, a responsabilidade de eliminar a ideologia do Hamas é da sociedade palestina. Se o grupo for derrotado nesta guerra, e espero que seja, a sociedade palestina vai perceber que a violência é um beco sem saída, e que a exigência de eliminar o Estado de Israel para construir um Estado Palestino falhou terrivelmente. Se isso ficar óbvio para os palestinos, eles não aceitarão que o ciclo de violência se repita.

    Recentemente, você disse que um cessar-fogo seria um grande erro estratégico de Israel, e que não é possível negociar com o Hamas. Qual sua opinião sobre a trégua?

    Isso é diferente de um cessar-fogo. Um cessar-fogo significa que a guerra acabou. Essa é uma trégua humanitária, uma pausa para facilitar a libertação dos reféns. O Hamas também tem interesse, quer colocar mais pressão sobre Israel para interromper a campanha militar e forçar uma negociação. Eu duvido que esse vá ser o fim da guerra. Israel deve atacar com ainda mais força. Mesmo que receba toda a pressão internacional, com base no que eu conheço do modus operandi deles, Israel não vai anunciar um cessar-fogo. Mesmo que um cessar-fogo ocorra na prática. Eles podem parar com os ataques, mas a caçada aos líderes do Hamas vai continuar pelo tempo que for preciso.

    Como um palestino, nascido na Cisjordânia, como se sente com tudo que vem acontecendo?

    É um sentimento complicado. Primeiro, porque não está acontecendo apenas lá, mas também aqui. Há divisão, confusão, ódio, protestos nas ruas… Para mim, como alguém que testemunhou o Hamas, foi como ver um monstro crescer. Testemunhei e sofri de sua brutalidade. Perdi minha família inteira para levar minha voz ao mundo, mas ninguém parecia interessado em ouvir. Anos depois, temos um problema global com o Hamas, e o mundo está dividido, com ódio por todos os lados. Então, como me sinto? Como me sinto por aqueles que não assumem a responsabilidade sobre eles mesmos e sobre os outros? Como me sinto por aqueles que querem o aniquilamento de uma raça inteira acreditando ter o direito de fazer isso? Posso dizer que desisti da Humanidade há muito tempo. Quando me pergunta como me sinto, não sei por onde começar nem por onde acabar. Vivemos o caos.

    Fonte: EXTRA

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