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Após nova cirurgia, entregador baleado por PM abre olhos e conversa com familiares

O entregador Nilton Ramon de Oliveira, de 24 anos, baleado por um policial militar após uma discussão, passou por uma nova cirurgia na tarde desta terça-feira (5) e mostrou uma leve melhora. A vítima chegou a abrir os olhos e conversar com familiares, porém seu estado de saúde ainda é considerado grave.

Nilton foi admitido no Hospital Municipal Salgado Filho, no Méier, Zona Norte do Rio, na noite de segunda-feira (4), após ser baleado na coxa pelo PM Roy Martins Cavalcanti, em meio a uma discussão resultante da recusa do entregador em subir até o apartamento do policial para entregar um pedido feito pelo Ifood. O tiro atingiu a veia femoral de Nilton, responsável pelo transporte do sangue dos membros inferiores até a veia cava, a principal do corpo.

O entregador já havia passado por uma cirurgia quando chegou à unidade e estava internado na Unidade de Terapia Intensiva (UTI). Porém, um novo procedimento foi necessário nesta terça-feira (5), pois os médicos identificaram que o sangue não estava circulando adequadamente pela perna de Nilton. Stefany de Oliveira, irmã da vítima, compartilhou a apreensão da família e expressou a esperança pela melhora do entregador.

“Agora, ele estabilizou, abriu os olhos, perguntou por algumas pessoas, mas precisamos permanecer em observação. Na primeira cirurgia, pensamos que estava tudo bem, mas infelizmente não foi o caso. A segunda cirurgia foi necessária porque o sangue não estava circulando corretamente. Não esperávamos que algo assim acontecesse com meu irmão. Ele é uma pessoa muito brincalhona, ativa e trabalhadora. Para nós, foi extremamente angustiante ver aquela situação, com meu irmão no chão. Foi um momento muito triste. Ver ele internado nos deixa apreensivos”, disse.

A familiar também clamou por Justiça, argumentando que o policial agiu de forma imprudente e poderia ter optado por imobilizar seu irmão, uma vez que ambos estavam alterados, ao invés de efetuar um disparo. “Isso não deveria acontecer. Ele agiu de uma maneira que não esperávamos. Totalmente despreparado. Ele precisa ser responsabilizado por suas ações. Esta é uma situação em que ele poderia ter agido de forma diferente, mas não o fez. Como policial, ele poderia ter imobilizado ambos, já que estavam alterados, mas ele optou por outra abordagem”, completou.

Luís Carlos de Oliveira, cunhado de Nilton, solicitou o afastamento do policial da corporação e enfatizou que o entregador foi vítima de uma tentativa de homicídio.

“Espero que a Justiça seja feita com tudo o que está acontecendo. Que o policial seja exonerado de seu cargo, pois este foi um caso de tentativa de homicídio. Ele não tem as competências necessárias para atuar como policial nas ruas. Ele não possui a estabilidade emocional necessária. Não existe lei que obrigue o entregador a subir até o apartamento. Por causa de uma entrega, meu cunhado está em estado grave, correndo o risco de ter a perna amputada, sem qualquer motivo. Só estamos pedindo Justiça”, discursou.

O incidente ocorreu quando Nilton estava realizando entregas de bicicleta. O entregador se recusou a entrar no condomínio onde o policial reside, em Vila Valqueire, Zona Oeste do Rio, após o mesmo recusar-se a encontrá-lo na portaria. Nilton então retornou ao estabelecimento. Minutos depois, o PM foi até o estabelecimento armado. O entregador filmou os momentos anteriores ao disparo, nos quais o policial já exibia a arma na cintura.

“Não estou armado, sou um trabalhador. Estou sendo ameaçado, ele está tentando me agredir, mostrou a arma na minha cara. Guarda a arma e venha com as mãos”, disse Nilton.

Já o agente alegou que o entregador foi desrespeitoso com sua esposa, que havia feito o pedido. “Trabalhador, c******, minha esposa tratou você com educação, vá se f****. Seja educado, você não se propõe a fazer entregas? Então seja educado, minha esposa tem 42 anos e respondeu a você com educação”, declarou.

Após ser baleado, o policial teria prestado os primeiros socorros e ido embora em seguida. O Corpo de Bombeiros foi acionado e encaminhou a vítima à unidade de saúde. Segundo a Polícia Civil, imagens do incidente estão sendo analisadas e testemunhas serão ouvidas. O caso foi encaminhado para a 28ª DP (Praça Seca). As investigações estão em andamento para esclarecer os fatos. A Corregedoria-Geral da PM também está acompanhando o caso.

A reportagem não conseguiu contato com a defesa do policial. O espaço está aberto para manifestações.

Protesto no condomínio

Na terça-feira (5), um grupo de motoboys e amigos de Nilton realizou uma manifestação em frente ao condomínio onde o PM mora, em Vila Valqueire, Zona Oeste do Rio. Segundo um entregador, que preferiu não se identificar, o protesto foi realizado para pedir Justiça para o colega de profissão e suporte ao Ifood.

“Isso [violência contra entregadores] acontece com frequência, mas não com a mesma intensidade que ocorreu agora com Nilton. Existem discussões. Pessoalmente, não tive experiências de agressão, mas xingamentos são comuns. O cliente vem xingando e ameaçando, e nós, entregadores, respondemos no mesmo tom porque não seremos oprimidos. O protesto foi pacífico, sem incidentes. Quem participou agiu adequadamente. Foi uma manifestação em busca de Justiça e de uma resposta do Ifood para nós, entregadores. Precisamos de apoio. Quando precisamos desse suporte, ele não está disponível”, disse o motoboy.

Após o protesto, os manifestantes foram ao Hospital Municipal Salgado Filho, onde o entregador está internado, para doar sangue, mas não conseguiram devido ao limite diário de doações na unidade.

Posicionamento do Ifood

Após mais um incidente de violência contra entregadores, O DIA conversou com a gerente de impacto social do Ifood, Tatiane Alves, que repudiou o ocorrido e esclareceu que a empresa está à disposição da família.

“O que aconteceu com Nilton é inaceitável e condenável, e esperamos que não fique impune. Já entramos em contato com a família e nos colocamos à disposição para qualquer necessidade, oferecendo apoio jurídico e psicológico. Continuaremos acompanhando de perto para fornecer todo o suporte necessário”, disse.

Em relação ao cliente, ele foi banido da plataforma. “O Ifood tem uma política contra discriminação e violência, na qual estabelecemos quais condutas são inaceitáveis e como agimos em relação aos agressores e para proteger a vítima. Portanto, tomamos medidas para desativar a conta e fornecer todo o suporte à família de Nilton”, reforçou Tatiane.

A gerente comercial acrescentou que a empresa possui um projeto de apoio jurídico e psicológico aos entregadores, com a possibilidade de atendimento presencial no edifício sede das Black Sisters in Law (BSL) – um coletivo de advogadas negras – que oferece assistência a profissionais vítimas de qualquer tipo de violência.

“Dentro do aplicativo, há a opção de reportar casos graves. Basta o entregador descrever a situação e alguém da equipe do Ifood entrará em contato, oferecendo apoio inicial e, posteriormente, acompanhamento. Quando o entregador aceita, uma advogada do projeto entra em contato com ele”, explicou.

Os casos elegíveis para apoio incluem discriminação, ameaça, agressão física e violência sexual.

“No Rio, inauguramos um espaço na Penha este ano, onde os entregadores podem relatar casos diretamente, sem precisar usar a plataforma. Eles podem ir diretamente lá e receber assistência de uma advogada. Todos os casos elegíveis são atendidos, e para aqueles que moram longe, entramos em contato e oferecemos assistência, além de sessões de terapia online”, disse.

Por fim, Tatiane reforçou que os entregadores e clientes são instruídos a realizar e receber entregas no primeiro ponto de contato, ou seja, na portaria, se for um condomínio.

Além disso, o Ifood possui uma parceria com o Secovi Rio (Sindicato da Habitação do Rio de Janeiro), para conscientização de moradores e treinamento de porteiros e síndicos de condomínios na cidade. Em algumas cidades, como Fortaleza, esse pedido se tornou lei.

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