Um relatório do Conselho Pastoral dos Pescadores e Pescadoras (CPP) revelou que 3,2 mil famílias de pescadores artesanais foram afetadas por 85 conflitos em cerca de 450 comunidades espalhadas por 16 estados, entre 2015 e 2024.
O estudo, chamado Relatório de Conflitos Socioambientais e Violações de Direitos Humanos em Comunidades Tradicionais Pesqueiras no Brasil – 2024, foi lançado nesta terça-feira (1°), em Belém (PA). Segundo o CPP, entre 2022 e 2024, foram registrados 48 novos conflitos socioambientais, além de outros 37 já conhecidos desde 2015.
A maior queixa das comunidades é a negligência do Estado na garantia de direitos econômicos, sociais, culturais e ambientais, apontada como a principal causa dos conflitos por 71,4% dos entrevistados. “Os pescadores clamavam por um documento que explicitasse essa negligência, por isso esse fator se tornou o mais representativo no relatório”, explica a pesquisadora Ornela Fortes, responsável pela organização do estudo.
Outros fatores que impulsionam os conflitos incluem:
- Especulação imobiliária (53,1%)
- Privatização de áreas e territórios (51%)
- Empreendimentos turísticos (46,9%)
- Pesca predatória (34,7%)
- Esgoto industrial ou urbano (24,5%)
- Construção de portos e indústria naval (20,4%)
- Agronegócio (18,4%)
- Aquicultura e carcinicultura (16,3%)
Caso Maracaípe: muro impede pesca e ameaça comunidade
Um exemplo grave citado no relatório ocorre em Ipojuca (PE), onde 80 famílias lutam contra a privatização de uma área no Pontal de Maracaípe. O espaço, usado por marisqueiras para subsistência, foi cercado por um empresário que se diz dono da área e instalou câmeras para monitorar os moradores.
“Vivemos uma situação dolorosa. O muro impede nosso acesso e ainda somos vigiados o tempo todo”, denuncia Helena Ivalda, conhecida como Leninha. Ela relata que a comunidade sofre ameaças constantes, e algumas pescadoras foram vítimas de violência. “Muitas já deixaram o território com medo de morrer. Há relatos de estupros e da perda do crustáceo, prejudicando a subsistência das pescadoras, muitas delas mães solo”, lamenta.
A insegurança fundiária é um dos principais problemas. O relatório aponta que 53,1% das comunidades ainda não estão em processo de regularização de seus territórios. Empresas privadas (77,6%), latifundiários (38,8%) e agentes privados (55,1%) aparecem como os principais causadores dos conflitos, ao lado de prefeituras (55,1%), governos estaduais (53,1%) e até empresas públicas (22,4%).
“O papel do Poder Judiciário também é questionado. No caso de Leninha, há um agente privado como causador do conflito, mas a Justiça não dá uma resposta efetiva, agravando ainda mais a situação”, destaca Ornela.
Impactos ambientais e sociais
Além das violações de direitos, os conflitos também afetam o meio ambiente e a pesca artesanal. Entre os principais impactos ambientais apontados estão:
- Diminuição da quantidade de pescado (77,6%)
- Desmatamento e destruição de habitats, como manguezais (75,5%)
- Redução na diversidade de espécies (69,4%)
- Poluição e contaminação de águas e solos (67,3%)
- Assoreamento e erosão (51% e 40,8%, respectivamente)
- Mortandade de peixes e crustáceos (38,8%)
Os impactos socioeconômicos também são alarmantes:
- Descaracterização da cultura pesqueira (79,6%)
- Perda de recursos naturais (77,6%)
- Agravamento de conflitos internos e quebra de laços comunitários (71,4%)
- Diminuição da renda familiar e dificuldade de acesso aos territórios (67,3%)
- Insegurança alimentar (55,1%)
- Problemas de saúde mental (53,1%)
Mudanças climáticas agravam o cenário
Os pescadores também relataram impactos das mudanças climáticas:
- Aumento da temperatura (72,9%)
- Redução da variedade de espécies (62,5%)
- Extinção de espécies e mudanças nas marés (58,3%)
- Alterações nos ventos (52,4%)
- Diminuição das chuvas (47,9%)
A realidade dos pescadores artesanais brasileiros expõe a falta de políticas públicas eficazes e a crescente pressão econômica sobre seus territórios. O relatório do CPP reforça a necessidade urgente de medidas para garantir a segurança e a sobrevivência dessas comunidades.