A saúde mental no ambiente de trabalho passa a ser uma obrigação legal das empresas, que deverão identificar, gerenciar e prevenir riscos psicossociais, como assédio, sobrecarga e pressão excessiva por resultados. A exigência está na nova atualização da Norma Regulamentadora nº 1 (NR-1), que entrou em vigor no dia 26/05 em caráter educativo e orientativo, mas que só começará a gerar punições a partir de 26/05 de 2026.
A NR-1, emitida pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), é uma das principais bases da legislação brasileira de Segurança e Saúde no Trabalho (SST). Criada em 1978, sua função sempre foi estabelecer diretrizes que garantam ambientes laborais seguros e saudáveis. Mas, com o avanço tecnológico, a consolidação do trabalho remoto e a escalada das crises de saúde mental, tornou-se imprescindível atualizar a norma para refletir a realidade atual dos ambientes de trabalho.
Mais que uma atualização, uma reestruturação necessária
A nova NR-1 não é apenas uma revisão burocrática. Ela representa uma reestruturação profunda da gestão de SST nas empresas. Pela primeira vez, os riscos psicossociais, como estresse, Burnout, assédio e sobrecarga, passam a ser reconhecidos formalmente como parte dos riscos ocupacionais, exigindo medidas específicas de prevenção e controle.
Esses riscos agora devem estar contemplados no Programa de Gerenciamento de Riscos (PGR) e no Gerenciamento de Riscos Ocupacionais (GRO), com a mesma prioridade que os riscos físicos, químicos e biológicos.
Além disso, a norma foi atualizada buscando uma harmonização com outras Normas Regulamentadoras (NRs). Isso significa que as diretrizes de SST passam a dialogar de forma mais integrada e sinérgica, facilitando a implementação de ações unificadas, sistemáticas e eficazes dentro das empresas.
Por que o prazo foi adiado?
Apesar do avanço, a entrada em vigor plena da nova NR-1 foi adiada para 26 de maio de 2026, após pressão do setor empresarial, que alegou a necessidade de um prazo maior para adaptação. Segundo o ministro do Trabalho, o primeiro ano será dedicado à educação e orientação, sem autuações, permitindo que empresas e trabalhadores se preparem para cumprir as novas exigências.
O governo afirmou que o adiamento tem como objetivo uma transição segura e estruturada, atendendo tanto as demandas dos empregadores quanto dos trabalhadores.
Para apoiar essa transição, o Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) anunciou:
– a elaboração de um manual técnico detalhado sobre a nova NR-1;
– a criação de um Grupo de Trabalho Tripartite (GTT), com representantes do governo, das empresas e dos trabalhadores, para acompanhar e orientar a implementação da norma;
– a disponibilização de cursos e materiais educativos para capacitar os diversos setores envolvidos.
Esse modelo tripartite foi o mesmo adotado na elaboração da própria atualização da NR-1, o que fortalece seu caráter democrático e participativo.
Saúde mental: da invisibilidade à obrigação legal
A atualização da NR-1 surge em meio a uma crise crescente nos ambientes de trabalho. Segundo o INSS, apenas em 2024, 472 mil trabalhadores foram afastados por transtornos mentais, um aumento de 68% em relação a 2023. O Brasil ocupa o topo do ranking mundial de ansiedade, com 20 milhões de casos, além de registrar mais de 14 mil suicídios por ano.
Para a psicóloga Fernanda Magano, presidenta do Conselho Nacional de Saúde, é fundamental que as empresas não tratem a saúde mental com ações superficiais, como palestras e dinâmicas pontuais. “É como oferecer pílula de farinha. Não resolve, só mascara o problema”, alerta.
O presidente da Confederação Nacional dos Metalúrgicos da CUT (CNM-CUT), Loricardo de Oliveira, reforça: “É uma conquista histórica, fruto de muita luta da CUT e do movimento sindical. Mas precisamos estar atentos para que não haja novos adiamentos e que a norma não seja esvaziada”.
O que muda na prática?
A partir de maio de 2026, as empresas deverão, obrigatoriamente:
– mapear, avaliar e gerenciar os riscos psicossociais, como estresse, assédio, sobrecarga, metas abusivas e relações tóxicas no trabalho;
– elaborar planos de ação e medidas de prevenção específicas para esses riscos.
Incluir o cuidado com a saúde mental no PGR e no GRO, de forma integrada aos demais riscos ocupacionais;
– capacitar gestores, lideranças e trabalhadores sobre os temas de saúde mental e riscos psicossociais;
– adaptar as políticas de SST às realidades do trabalho remoto e do trabalho híbrido, contemplando desde ergonomia domiciliar até jornadas e pausas adequadas;
– fomentar uma cultura organizacional que valorize o bem-estar e a saúde emocional, indo além da simples prevenção de acidentes.
Não é só burocracia — são ambientes melhores
As mudanças propostas pela nova NR-1 não são meramente formais. Elas trazem benefícios reais que podem transformar os ambientes de trabalho, promovendo:
– redução dos índices de adoecimento mental, absenteísmo e afastamentos;
– aumento da satisfação, do bem-estar e da produtividade dos trabalhadores;
– fortalecimento de uma cultura de segurança e cuidado, em que todos — da gestão aos operacionais — entendem seu papel na promoção da saúde no trabalho;
– melhoria da imagem organizacional, já que empresas que valorizam a saúde mental tendem a ser mais atrativas para profissionais e para o mercado.
Com a expansão do trabalho remoto e das plataformas digitais, a norma também oferece diretrizes para enfrentar desafios contemporâneos: como garantir ergonomia, pausas, equilíbrio entre vida pessoal e profissional e saúde mental, mesmo à distância.
Por que isso importa?
O adoecimento mental no trabalho é uma epidemia silenciosa, mas com efeitos muito concretos — sobre pessoas, famílias, empresas e toda a sociedade. A atualização da NR-1 coloca o Brasil na vanguarda de uma legislação trabalhista que reconhece que saúde mental é tão fundamental quanto segurança física.
“Não podemos mais aceitar modelos de gestão que adoecem as pessoas. A NR-1 atualizada é um passo civilizatório, que transforma o cuidado com a saúde mental em dever legal das empresas”, conclui Josivânia Ribeiro Souza, secretária de Saúde do Trabalhador da CUT.