Lívia Ramos de Souza, de 19 anos, buscava uma vaga na empresa Icon Investimentos, investigada pela Polícia Civil por golpes em venda de consórcios. Foto: Reprodução
Mãe da jovem Lívia Ramos de Souza, de 19 anos, a auxiliar de serviços gerais Cristiane Pinto Ramos, de 51, descreve seus últimos dias como momentos de “aflição”. Lívia fazia treinamento durante uma entrevista de emprego no escritório Icon Investimentos, investigado pela Polícia Civil por práticas de estelionato, quando foi presa junto a outras 17 pessoas, no dia 5 de junho. Segundo Cristiane, ela não fazia ideia dos golpes e buscava um emprego de carteira assinada.
Cristiane conta que a filha é querida por todos que a conhecem e estava em busca de trabalho após o término de um contrato como jovem aprendiz. Ela teria visto na empresa uma oportunidade de se inserir no mercado, e seria admitida para vender consórcios, com direito a comissão sobre as vendas que efetuasse.
— É uma menina estudiosa, terminou os estudos com 17 anos. Concluiu curso de administrativo em dois anos. Estudiosa, trabalhadora, carinhosa. Muito família, tranquila, educada e do lar. Uma menina meiga. Não tem nada que desabone a conduta dela. É cheia de amizades — diz.
A vaga para trabalhar na empresa foi anunciada no site Infojobs, onde Lívia se inscreveu e foi chamada para uma entrevista.
— Chegando lá, já colocaram ela para fazer treinamento no computador. Não assinou nada, não chegou a fazer venda e não teve movimento de dinheiro entrando na conta dela, só estava treinando. Eu estava no trabalho, e quando foi 20h ela me ligou, desesperada, dizendo que estava presa — explica a mãe.
Pedido de soltura ainda não foi julgado
Segundo o advogado que representa a família de Lívia, Alex Silva Gomes, o pedido de revogação da prisão dela sequer foi julgado, mesmo após 12 dias. Atualmente, ela está em Benfica, mas pode ser transferida para Bangu a qualquer momento. O advogado alega que o atraso se deve a um erro na distribuição do processo, que, a princípio, teria sido enviado para uma vara criminal comum.
— Quando chegou às mãos do juiz, ele viu e mandou para o Ministério Público, que alegou incompetência e mandou de volta para que o juiz desse a decisão. O processo foi redistribuído e caiu para o mesmo juiz — afirma o advogado.
Procurado pelo GLOBO, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ) confirmou que a prisão em flagrante das 18 pessoas foi convertida em prisão preventiva no dia 8 de junho. Na decisão, o juiz Diego Fernandes Silva Santos, que indeferiu o pedido de conversão em prisão domiciliar, sustenta que as vítimas dos golpes aplicados pela empresa poderiam sentir “medo e insegurança (…) por se verem constrangidas a partilhar o mesmo ambiente social com o(a) suspeito(a)”.
Sobre os pedidos de revogação, o Tribunal de Justiça esclarece que “serão examinados pelo juiz da Vara Criminal para qual o processo vai tramitar, neste caso, na Vara Especialidade de Combate ao Crime Organizado”.
Família diz não conseguir contato
Lívia chegou ao escritório por volta das 10h. Às 14h, segundo Cristiane, os policiais chegaram e deram voz de prisão a todos. Horas depois, a jovem entrou em contato com a mãe e pediu para que ela fosse até a 58ª DP (Posse) para tentar tirá-la de lá, o que não foi possível.
Cristiane foi até a delegacia, onde falou com a filha pela última vez. Segundo a mãe, um advogado da empresa afirmou que iria “pegar a causa” de todos os jovens presos. Desde o dia da prisão, ela diz não ter conseguido mais entrar em contato com a filha.
— Quando vi que nada estava acontecendo, que ela não saiu na audiência de custódia, rapidamente separei um advogado particular para cuidar do caso da Lívia. O caso da minha filha é diferente, primeiro dia de emprego dela, não sabia nada sobre essa empresa. O juiz não libera ela, ninguém está entendendo — conta.
Além da mãe de Lívia, familiares de outros jovens presos na operação também defendem a inocência deles. Na internet, alguns parentes começaram a pedir justiça, afirmando que eles não sabiam dos golpes e se candidataram às vagas pelo mesmo site usado por Lívia.
Outra jovem, identificada como Kyara Rabelo, de 18 anos, também foi presa na operação. Kyara, segundo o pai, Ubirajara Tavares, trabalhava no local há menos de um mês.
— É muito mole prender para investigar depois. Essa é a minha indignação. Eu estou há uma semana sem conseguir dormir, é só angústia. Criei minha filha dentro de casa, ela não era de rua. Sempre dei educação para ela, ela não tinha maldade. Eu sei como minha filha é, ela é muito inocente. Está difícil para caramba. Não sei expressar — diz.
Esquema milionário
Segundo a Polícia Civil, as investigações foram motivadas por registros de diversas vítimas da empresa. Durante as diligências no escritório, “18 pessoas que trabalhavam no local, naquele momento, foram presas em flagrante”.
A polícia afirma, ainda, que foram apreendidos computadores, aparelhos de telefone celular e documentos que incluem contratos em nome das vítimas e um roteiro “utilizado para a prática do estelionato”.
Delegado responsável pela investigação, José Mario Salomão Omena defende a legalidade das prisões em flagrante e diz que a investigação é encaminhada ao Setor de Inteligência, que faz uma investigação em grupo. Além disso, o delegado afirma que o tempo de trabalho de cada um deles foi indicado na decisão.
Segundo José Mario, mais de mil pessoas foram vítimas da empresa, e a estimativa dos ganhos obtidos a partir do golpe passa dos R$ 3 milhões.
— Encontramos uma pessoa negociando um carro inexistente e encontramos o esquema funcionando. Nunca teve carro entregue. Enriquecimento ilícito. Antes, funcionaram em outro endereço, com outro nome — diz o delegado.
A Secretaria de Administração Penitenciária (Seap) afirmou, em nota, que Lívia está no Presídio Oscar Stevenson, em Benfica, e aguarda transferência. Ainda segundo a secretaria, não houve “qualquer restrição de acesso legal à custodiada”.
Fonte: Extra.